sábado, 30 de abril de 2016

Histórias do Paraná - Crônica do Barão Errado

Histórias do Paraná - Crônica do Barão Errado

Crônica do Barão Errado
Sérgio Augusto Leoni

Marco Aurélio de Moraes Sarmento, capitão da Polícia Militar do Paraná, trouxe ao espaço destinado às Histórias do Paraná, peripécias de um barão quase analfabeto, tropeiro de profissão, oriundo da região de Ponta Grossa, chamado-o de Barão de Campos Gerais. A crônica do capitão, ainda que fiel à lenda, mostra-se errada quanto ao nome do barão que descreve, que é o de Guaraúna e não dos Campos Gerais.
Em seu Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná, vol. I, Ermelino de Leão dedica quase quatro páginas ao major Ferreira, futuro Barão de Guaraúna, fazendeiro na região de Ponta Grossa, que ficou conhecido pela sua sovinice ("amo-edava tudo que ganhava"), cujas aventuras José Murici descreve com muita graça em sua "Viagem Teocrática à República de Guaíra". Acolhendo o irmão Joaquim - diz a lenda -, o futuro Barão de Guaraúna percebe seu hóspede sobraçando jornais da Corte, que pretendia ler na cama.
Ao deitar-se, o irmão Joaquim acende grossa vela de sebo. O então major Ferreira entra no quarto do irmão pé por pé. Com um sopro discreto, apaga a vela.
No escuro, o irmão Joaquim reclama: "Ué, homem! Que é isso?" Explica-lhe o futuro Barão de Guaraúna: "Não carecia vosmecê ler na cama, só pra gastar a vista e a vela".
Mattoso Câmara, representante da Gazeta de Notícias, que fez parte da comitiva de D. Pedro II ao Paraná, diz que o major Ferreira não foi muito liberal no banquete oferecido a seu hospede real.
Em compensação, comunicou a sua majestade que concedera a alforria de seus escravos.
Sensibilizado, o imperador lhe concedeu, mais tarde, o título de Barão de Guaraúna, não levando a sério as ponderações em contrato de seus conselheiros.
O outro barão, cujo título nobiliárquico o capitão Marco Aurélio usou por engano, chamava-se David dos Santos Pacheco.
Nascido em 1810, na Lapa, David recebeu esmerada educação.
Tinha cultura, alto conceito.
Tais méritos levaram-no à condição de deputado à primeira Assembléia Provincial (1854/55), companheiro, entre outros, de An-tonio de Sá Camargo (Visconde de Guarapuava), conselheiro dejesuíno Marcondes, Manoel Antônio Guimarães (Visconde de Nácar) e Manoel de Oliveira Franco, o histórico Brigadeiro Franco.
De seu casamento com Anna Carvalho Pacheco, houve duas filhas: Maria Collecta dos Santos Araújo, casada com o conselheiro Manoel Alves de
Araújo, e Inácia Maria Alves de Araújo, casada com o coronel Joaquim Alves de Araújo.
Além de prestigioso político, David dos Santos Pacheco exerceu o Comando Superior da Guarda Nacional Paranaense, adestrando voluntários destinados à Guerra do Paraguai.
Próspero, muito rico, o futuro Barão dos Campos Gerais tinha casa na cidade da Lapa, onde hospedou o imperador, a imperatriz e o Almirante Tamandaré. Tinha ainda David dos Santos Pacheco na Legendária Fazenda Sta.
Amélia (mais de 2.000 alqueires) e outra no Rio Grande, também bem grandinha.
Ele era, enfim, o mais destacado tropeiro do Brasil Meridional.
Em sua homenagem, a Lapa ergue-lhe um monumento na atual Avenida Manoel Pedro, a tradicional Rua das Tropas, esquina por onde passa a via que tem o seu nome.
Tal monumento, destacado através de um busto, guarda os despojos do barão e da baronesa, transladados do cemitério, assim como a inscrição tumular em mármore, dizeres em baixo-relevo.
Em dezembro vindouro, por sinal, a Lapa vai comemorar o Centenário da morte do Barão dos Campos Gerias.

Sérgio Augusto 'Leoni ê ex-prefeito da Lapa.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Histórias do Paraná - Discurso inesquecível

Histórias do Paraná - Discurso inesquecível

Discurso inesquecível
Lauro Grein Filho

Ao chegar em Castro para assumir os principais encargos de minha carreira médica, a tradicional e pacata cidade era toda animação e entusiasmo.
Um clima de intensa expectativa varria o Município, en-chendo-o de ansiedades.
Dias de magna importância eram vividos pela população a aguardar a visita oficial do Governador Manoel Ribas.
O acontecimento, com data já bastante próxima, envolvia uma pla-nificação cuidadosamente elaborada, a cargo de numerosas comissões e sub-comissões.
Autoridades, pessoas gradas, altas figuras do comércio e indústria, funcionários públicos e o "povo em geral", todos irmanados para o êxito invulgar e certo das comemorações.
Assinando a programação, fartamente distribuída, o Prefeito, Major Vespasiano Carneiro de Mello, o Meritíssimo Juiz de Direito da Comarca, Dr. Humberto Graça, o Comandante do 6o GADO, Cel.
Felinto Abaetê Cavalcanti, o Vigário da Paróquia, Padre Nicolau Balthazar, o Promotor Dr. Heráclio Mendes de Camargo e mais cinqüenta ilustres personalidades da vida castrense.
A motivação era total e o assunto único.
Nada mais podia interessar além da vinda do seu Ribas, fato capital de todas as rodas, comentários e confabulações.
Afinal o grande dia! A "alvorada" pela banda da Polícia Militar, chegada de vésperas, deu início às festividades, acordando o povo com os acordes vibrantes do "Batista de Mello". As 8 horas Missa Campal, promovida pelas damas de Castro, com altar mór nas escadarias do Grupo Escolar e a praça lotada de fiéis em orações pelo Interventor.
Entre eles S.Excia. e a comitiva, Ângelo Lopes, Gaspar Velloso, Antenor Pamphilo dos Santos, Bichat de Almeida Rodrigues, Rosaldo de Mello Leitão, muita gente de Curitiba, e de municípios vizinhos.
Após a missa, ainda na praça, a inauguração do busto de Manoel Ribas.
Esta cerimônia aguçava de perto minha curiosidade. E que ouvira conta muitas histórias, a respeito do Interventor.
Histórias absurdas, difíceis de acreditar, tais os exageros com que retratavam sua irreverência e ostensivo desapreço às regras do protocolo.
Surgia agora a oportunidade de tudo pessoalmente ver e conferir: o comportamento do seu Ribas, finalmente ao meu alcance.
Pedro Kaled, orador oficial, ia dando conta, alto e bom som, de sua peça oratória, diante da estátua ainda não descerrada.
Ao lado, o homenageado sério, olhos fixos na multidão, imensa, atenta, silenciosa. "Vossa Excia.
Sr. Governador tem sido para nós e esta terra um verdadeiro benfeitor porque nos deu o Preventório, benfeitor porque..."
Ainda vibravam no ar as palavras do orador, quando Manoel Ribas entrou fulminante: "Benfeitor não! Porque trabalhar é obrigação de todo o Governador. E, se não fiz mais por Castro, foi por causa da burrice e da ignorância de todos vocês, que precisam saber que tentar fazer alguma coisa contra mim é o mesmo que beliscar em chifre de boi. E larguem mão de falar mal do Presidente Getúlio Vargas, que é um homem bom e precisa ser prestigiado. É isso aí." E sem mais delongas, retirou-se.
Terminada a solenidade, a multidão foi se diluindo pelas imediações, enquanto seu Ribas perpetuado em bronze começava a iluminar-se ao sol do meio-dia.
Muitos e muitos discursos haveria de ouvir depois, ao curso de múltiplas solenidades e pretextos sob diversos temas e propósitos em diferentes idiomas e ocasiões.
Nenhum deles, entretanto, mais me impressionou que esse de Manoel Ribas em Castro no dia 8 de Março de 1945, data de seu 71° aniversário.

Lauro Grein Filho é médico, épresidente do Centro de Letras do Paraná.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Histórias do Paraná - Não haverá mais polacos? (II)

Histórias do Paraná - Não haverá mais polacos? (II)

Não haverá mais polacos? (II)
Wilson Bueno

Polacada!
Negrada!
Amávamos com ódio - assíduos, uns e outros, às vezes mais, às vezes menos, em tocar a corda do variado entendimento.
E íamos empurrando, cada um de seu lado, a vida miúda.
Crianças, sentíamos na pele outros trechos.
A notícia veio arfante, quase um engasgo no rosto vermelho do Gordo:
- O Lau morreu, o Mieceslaw morreu no piquenique do Barigüi.
E como queríamos mais, fulminou:
- O Lau morreu afogado.
Éramos cúmplices, todos, da
causa-mortis: corria a rua e era assunto nas casas da vila, a surra que quase todos levamos, e à mesma caída noitinha, porque uma semana antes, fora Lau a vítima nervosa do batismo nas águas do mesmo Barigüi que agora o matava.
Delatados, todos os olhos nos perseguiram.
E a morte era o Lau morto. A morte era também uma sala com a imagem de Nossa Senhora de Czestochowa, único objeto familiar que nela restava, depois de retirados os móveis e dispostas encostadas à parede, as cadeiras de palhinha.
No centro da sala, a morte também era um caixão que nossos olhos evitavam.
- Polacada!
- Negrada!
A morte doía na manhã de sol. A morte era o nosso primeiro pecado público.
Nos envergonhávamos e sofríamos, cúmplices, todos os piás da rua - humilhados, o acontecimento.
Necessário se conformar — outros, igualmente polacos, haveriam de suceder Mieceslaw, principalmente o irmão mais velho,
noivo, que tocava gaita-de-boca e tinha músculos de cavalo.
Renovava-se contudo a pergunta: como poderiam ser brasileiros aqueles seres brancos, frios e encapotados,
de cabelos amarelos e olhos claros, tropeçando na língua embaralhada?
Mas eram: na missa e nos casamentos, nas dificuldades pequenas do dia-a-dia, na pechincha e no circo,
nas grandes bebedeiras e nos velórios.
Mas o que persiste é a morte aterrada na manhã da nova cidade, o escuro do quarto e o coração apertado:
- Polacada!
- Negrada!

Wilson Bueno é escritor, criador e editor do jornal Cultural "Nicolau".

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Histórias do Paraná - Não haverá mais polacos? (I)

Histórias do Paraná - Não haverá mais polacos? (I)

Não haverá mais polacos? (I)
Wilson Bueno

- Polaco!
O xingamento batia feito porrada.
Sabíamos.
- Negrada!
A resposta vinha na fronteira do cuspo, no trecho de terra da Visconde de Nácar, esquina com Saldanha,
onde hoje ergue-se, imponente, o também já vetusto edifício Itália.
Em jogo, mais que a cor, o sentimento súbito de dignidade ameaçada.
- Negrada!
Espumávamos de raiva na sala de jantar da pensão de muitos quartos, casa de quatro olhos abertos como janelas sobre a Saldanha Marinho, arrendada por meu pai, tnigrante do Norte Pioneiro.
Sem nenhum, a família chegara no trem-da-fome, embarcada em Joaquim Távora.
No alheamento de crianças impossíveis, não percebíamos os horrores que imperam sobre a necessidade aflita
— nos arranjos e desarranjos pela subvida.
Pingentes do interior, caipiras, nos misturávamos a eles, aos polacos, como também às noites de saravá da umbanda e tentávamos decifrar, na casa em frente, do outro lado da rua, o mistério dos japoneses - escondidos sempre, arredios sempre, como se a diferença deles
fosse uma dor.
Experimentava-se o pepino azedo enrolado em folhas-de-parrei-ra, a princípio com nojo e logo depois, gulosamente, e aprendíamos com os polacos a exata maturação da uva nos parreirais improvisados no fundo dos quintais.
De cor fixa-va-se o tempo das maçãs, das pêras e dos figos.
Com os polacos, a família se iniciava, paciente, na arte das compotas nos vidros Trevisan — enxutos, cristais, espelhos.
E era curioso que aqueles meninos, que em casa falavam a língua arrevezada dos pais, nos corrigissem o português ordinário, e com o mesmo entusiasmo nosso fossem matreiros e habilidosos no "jogo-do-bafo" com as Zequinhas - disputadas na sorte e no braço.
Entendiam da vida, os gringos, seres reais, carne-e-osso, comuns como todos. E isto ante a nossa inexperiência era alguma coisa espantosa.
A minha cidade sertaneja ficou sendo mesmo um sonho curitibano.
O que vem em lembrança e a memória recolhe com dedos de melancolia, é o fotograma incolor da vida pobre, as casinhas de madeira sucedendo-se — da Saldanha Marinho até o muro dos fundos que dava para a Rua dos Chorões. Só a pensão triunfava, casa velha, imponente, abrindo a procissão de casas, quintais, hortas, árvores, parreiras, crianças e galinhas ciscando os pátios.
- Negrada!
Os polacos devolviam a provocação — sem saber que em tudo nos parecíamos: eles, com o cabelo cor-de-burro-quando-foge,
os invejados olhos azuis, as sardas, nós, capiaus interioranos cheios dessa estranheza com que índios acostumam-se aos brancos, e mais o cabelo preto, liso, na nossa cara de vulgaríssimos olhos escuros.
A pele, queimada pelo sol do Norte, desbotava, baixo invernos rigorosos e desusados.
Sentíamos o inevitável banzo das terras batidas pelo poeirão vermelho - uma nuvem de po perseguindo as jardineiras.
Aqui baixávamos hospitais (públicos) com a mesma freqüência incômoda com que o frio atacava amigdalas e faringes.
Polacada!
Negrada!

Wilson Bueno é escritor, criador e editor do jornal Cultural "Nicolau".

terça-feira, 26 de abril de 2016

Histórias do Paraná - Cultura e distensão

Histórias do Paraná - Cultura e distensão

Cultura e distensão
Ney Braga

Já me perguntaram se a minha situação como Ministro da Educação e Cultura, ao tempo do governo Geisel, fazia parte da estratégia de distensão gradual do presidente da República.
Acho que a abertura cultural do governo Geisel ajudou a distensão.
Mas não era estratégica.
Desde criança, na Lapa, convivi com artistas que passavam pela cidade. O cine-teatro Elite, durante algum tempo, foi de meu saudoso pai.
Prefeito de Curitiba, organizei eventos como o festival de cinema e os festivais de música.
No governo do Estado, na primeira gestão, de 1960 a 1965, tive a satisfação de ver nascer o Teatro de Comédia do Paraná. Foi um grande momento do teatro Paranaense, com a presença de atores da qualidade de Nicete Bruno, Paulo Goulart e Cláudio Correa e Castro e de diretores como José Renato.
Ao lado de atores paranaenses como Laia Schneider e Ari Fontoura, eles transformaram o Teatro Guaíra — na época existia apenas o pequeno auditório - num pólo teatral do Brasil.
No MEC constatei que a cultura era tratada quase exclusivamente como uma atividade burocrática. A mudança de ótica deveu-se a pessoas que vieram trabalhar conosco.
Manoel Diegues Junior, pai do cineasta Cacá Diegues, assumiu o Departamento de Assuntos Culturais.
Roberto Parreira foi para o Programa e de Ação Cultural, na Funarte, criada na minha gestão.
Tivemos o diretor de cinema Roberto Farias na presidência da Embrafilme.
Orlando Miranda na direção do Serviço Nacional de Teatro. O escritor Herberto Salles na direção do Instituto Nacional do Livro.
Com esse grupo, a orientação imprescindível do grande presidente Ernesto Geisel e a ajuda de seus ministros, foi estabelecida uma política cultural muito democrática.
Quando os artistas tinham problemas com a censura vinham nos procurar e muitas vezes era encontrada uma solução.
Muitos artistas freqüentavam assiduamente o ministério. E, o mais importante, o ministro freqüentava assiduamente os teatros.
Um dia cumpri velho compromisso com a Lapa: consegui restaurar o Teatro São João, que faz parte da história da cultura paranaense.
Regina Duarte iluminou o palco como seu talento, na reinauguração.
A distensão do presidente Geisel funcionou muito bem na área cultural e contribuiu para o restabelecimento da democracia.
Isso seria apenas uma informação na memória.
Mas outro dia encontrei com a querida Fernanda Montenegro na Opera de Arame.
Ela me abraçou muito carinhosamente e disse:
- De tudo isso, Ney, devemos muito a você!
Mas eu me lembro que, para mim, muito disso começou com os espetáculos teatrais que encantaram um menino da Lapa e criaram, entre ele e o palco, uma relação de apaixonado enlevo.
Ney Braga, lapiano, foi prefeito de Curitiba, duas ve^esgovernador do Paraná e ministro de duas pastas.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Histórias do Paraná - Viva o Dr. Generoso!

Histórias do Paraná - Viva o Dr. Generoso!

Viva o Dr. Generoso!
Túlio Vargas

Viveu no Paraná, no início do regime republicano, sob a égide de duas Constituições no curto período de dez meses.
Foi uma fase agitada e tensa.
Sete interventores revezaram-se no poder. A primeira eleição de caráter legal deu-se em plena vigência da Constituição Estadual de 4 de julho de 1891.
Elegeu-se governador Generoso Marques do Santos, ex-líder do partido liberal, então engajado na recém fundada União Republicana Paranaense.
Mas, se prenunciavam violentas tempestades.
Os republicanos históricos, Vicente Machado e Francisco Xavier da Silva à frente, não se conformavam substituir o regime e ceder o poder aos antigos monarquistas.
Não demorou a oportunidade de revide.
Com a renúncia do presidente Deodoro da Fonseca, o vice Floriano Peixoto, ao assumir o governo, provocou uma verdadeira
"varrida nacional". Determinou a deposição de todos os governadores, com exceção de Lauro Sodré, do Pará.
Generoso Marques foi assim alcançado pela "degola" coletiva.
Instalou-se, de imediato em Curitiba uma Junta Governativa, sob a chefia do coronel Roberto Ferreira, comandante do Distrito Militar. A ordem, vinda de cima, era dissolver o Congresso Legislativo, convocar novas eleições e outorgar outra Constituição, o que realmente aconteceu (7 de abril de 1892). Nesse clima de estupor se desenvolveria a transição.
Inconformados e atônicos, os correligionários de Generoso maquinavam, a qualquer preço, a resistência.
Cresceu mais a turbulência quando Generoso foi chamado ao quar-tel-general, na praça Tiradentes, para transmitir o cargo ao coronel Roberto.
Desenhava-se um conflito fratricida.
Mas, as forças armadas apoiaram o golpe e seria inútil resistir.
Sem vislumbrar saída, Generoso deita manifesto à nação denunciando a violação constitucional e se rende.
O que mais extravasa indignação, nessa emergência, é Telêmaco Borba, ex-prefeito de Tibagi e deputado estadual, temperamento aguerrido, intimorato e viril.
Homem sem medo, acostumado aos riscos e desafios do sertão.
Insensível aos que lhe recomendavam prudência naquela hora temerária, monta a cavalo e a galope desfila perante a tropa que cercava a praça.
Repentinamente, numa atitude afrontosa à oficialidade reunida, tira o chapéu, à moda de Deodoro ou Zapata, e grita bem alto: "Viva o Dr. Generoso!"
O protesto instantâneo e imprevisto, surpreende. A oficialidade titubeia.
Registra-se, naquele momento, perante a história, um gesto de coragem cívica e pessoal, incomum.
Como conseqüência dos atos arbitrários de Floriano explodiria, mais tarde, a Revolução Federalista, com funestas implicações no processo de consolidação da República, cujo preço de vidas imoladas, pode-se agora avaliar, passado um século, foi alto demais.

Túlio Vargas é membro de Academia Paranaense de Letras,

domingo, 24 de abril de 2016

Histórias do Paraná - Usina de apelidos (2)

Histórias do Paraná - Usina de apelidos (2)

Usina de apelidos (2)
Luiz Geraldo Mazza

Dos apelidos clássicos de Paranaguá, há alguns folclorizados, isso é, se reproduzem em outros
pontos litorâneos do país, como se á houvesse ocorrido.
Destes, o mais decantado é o do cidadão que foi à cidade e apostou que não levaria apelido: hospedou-se no hotel da Praça Fernando Amaro e, de quando em quando, escondido atrás de uma cortina, dava uma olhada ao mundo exterior.
Virou o "cuco", o passarinho do relógio que sai pra fora da casinha ao dar as horas.
Outro foi o de um funcionário federal - Alfândega ou da Receita — que mal desceu do navio por causa de algumas deformações que tinha nos dedos carregados de protuberâncias foi chamado de "mão de gengibre".
A rapidez fulminante com que o homem litorâneo rotula as pessoas por uma via caricatural é tremenda. Às vezes, porém, traz uma carga enorme de crueldade.
Havia em Paranaguá um estranhíssimo ser, com má formação congênita, com voz roufenha, e que não tinha braços e pernas completos, isso é, anatomicamente desenvolvidos.
Era o "croquete", embora dessem o tom de piedade e até afetividade quando pronunciavam.
Vivia no interior de uma caixa de papelão e era deixado quase sempre na plataforma da Estação Ferroviária por parentes com o fim, é claro, de colher esmolas.
Uma lenda diz que certa ocasião tentou brincar com um marujo norte-americano e assustá-lo com voz rouca, dizendo "mãos para o ar" e que o ianque, assustado, e em represália, deu um chute na caixa de papelão, transformando o "croquete" em primeiro astronauta, isso nos anos cinqüenta.
Claro que entraram aí os condimentos de guerra fria, a divisão bipolar da geopolítica e a má vontade com os norte-americanos.
Mas a chispa do pamanguara não se limita ao imediatismo dessas definições caricaturais, já que sabe incorporar nesse processo a manipulação do inconsciente coletivo, das lendas, da mitologia do lugar.
Exemplo marcante desse encadeamento se deu num jogo de futebol entre o Coritiba e o Seleto, nos anos setenta: Passarinho, ponta direita "coxa" que viera do Apucarana, era um driblador excepcional e fazia o diabo no seu setor do campo em cima do lateral Alcione.
Numa delas, após passar pelo marcador, com três dribles seguidos desconcertantes, o marcador, num esforço de gladiador, conseguiu num "tade" alcançar o atacante.
Esse, como é da tradição, rolava na grama à espera da agüinha milagrosa. A torcida ululava em apoio ao lateral.
De repente, porém ao notar que a recuperação demorava, ficou tomada por uma espécie de remorso shakespeareano, daqueles que atormentavam Macbeth e Tímon de Atenas, e mergulhou em respeitoso silêncio, esperando que não houvesse fratura.
Foi, então, nesse preciso instante, que no meio da galera, religiosamente constrita, ouviu-se a voz fi-ninha e gaiata, aquele tom cantado de litorâneo que soou como um canto gregoriano em coral de igreja: "sopra o cuzinho dele que ele levanta!"
Era a terapia dos meninos quando também divididos entre a alegria de derrubar uma ave e o esforço para salvá-la, afastavam as penas do traseiro do passarinho e ali assopravam.
Um santo remédio, lírico demais, mas para um passarinho pequeno.

Luiz Geraldo Mazza é jornalista.

sábado, 23 de abril de 2016

Histórias do Paraná - Maleita e confusão

Histórias do Paraná - Maleita e confusão

Maleita e confusão
Joaquim Néia de Oliveira

Nestes tempos em que novos municípios são criados a três por quatro, ao sabor das injunções políticas, não deixa de ser curiosa a história de Espírito Santo do Itararé, criado em abril de 1900 às margens do Rio Itararé, no norte pioneiro, e extinto apenas 8 anos depois, embora experimentasse um razoável progresso.
Acontece que um surto epidêmico de maleita transformou totalmente os sonhos de seus habitantes. A população apavorada, ao presenciar vidas preciosas serem dizimadas pela terrível epidemia, reuniu-se com as autoridades municipais e, juntas, decidiram mudar a sede do município para um povoado que prosperava em outro ponto do território, com o nome de Ribeirão Claro.
Contando com o apoio do deputado da região, Emílio R. Gomes, não foi difícil aprovar a lei estadual criando o novo município, cuja instalação deu-se em 1908, com a conseqüente extinção de Espírito Santo do Itararé.
O novo município cresceu rápido. A exuberância de suas terras atraiu o interesse de agricultores mineiros e paulistas, que por sua vez trouxeram um grande número de imigrantes japoneses e italianos, para dar início ao ciclo cafeeiro no norte do Paraná.
A criação da Comarca foi uma decorrência desse progresso, com a designação do primeiro Juiz de Direito, o bacharel Eudoro Cavalcante de Albuquerque, que permaneceu na Comarca 19 anos, tornando-se inclusive, chefe político no município.
Tanto uma coisa como outra eram fáceis de explicar atentando para o parentesco de Eudoro: ele era casado com uma irmã de Afonso Camargo (avô do atual senador "Afonsinho"), político dos mais influentes que seria duas vezes governador do Estado.
Essa situação criou um clima de constrangimento entre parte dos moradores. E as conseqüências não tardaram a eclodir.
Por ocasião de uma eleição em 1917, três cidadãos foram mortos em pleno recinto da sessão eleitoral e, mais tarde, um médico também tombou sem vida enquanto empreendia fuga em companhia do vigário da paróquia.
Sobrou até para o padre, atingido que foi em um dos braços por uma bala.
O clímax desse estado de coisas vai acontecer alguns anos mais tarde, quando o engenheiro José Kennitz Moreira Lima, fazendeiro de café, se elege prefeito municipal, em 1924. Os seus desafetos aprovam, através da Câmara Municipal, uma lei cassando o mandato do prefeito, por este ter se ausentado do município por mais de sete dias, sem a devida licença.
Ao tomar conhecimento, o prefeito cassado retorna ao município, reúne 200 capangas armados ate os dentes, toma a prefeitura, fecha a Câmara Municipal e reassume na marra.
Todavia, com a posse de Afonso Camargo no governo do Estado, para o segundo mandato, em 1928, foi determinado o deslocamento de um pelotão da Polícia Militar para "restabelecer a ordem". De quebra, o governo nomeia o cidadão Pedro Ivo Marques para exercer o cargo de prefeito.
Afonso Camargo teria o "troco" em 1930, por ocasião do movimento revolucionário comandado por Getúlio Vargas. O prefeito "cassado" Moreira Lima, que se engajara nesse movimento, tão logo viu-se vitorioso, com a deposição de Washington Luiz e do governador Afonso Camargo, novamente toma de assalto a Prefeitura, destitui o pre-feito-interventor e promove tenaz perseguição contra o Meretíssimo Juiz, que abandona a cidade, Novo contingente da Polícia Militar é deslocado por ordem do interventor do Estado, general Mário Tourinho, para novamente restabelecer a ordem.
Joaquim Néia de Oliveira é ex-prefeito e ex-deputado por Ribeirão Claro.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Histórias do Paraná - Artimanhas de estudante

Histórias do Paraná - Artimanhas de estudante

Artimanhas de estudante
Wilson Bóia

Todos sabemos das imensas dificuldades financeiras e administrativas que Vítor do Amaral e Nilo Cairo enfrentaram até a criação da nossa primeira Universidade a 19 de dezembro de 1912, a concretização de um sonho de Rocha Pombo.
Instalada, a toque de caixa, num modesto sobrado da Rua Comendador Araújo, n° 42, no centro de Curitiba, salas, quartos e corredores transformados da noite para o dia em laboratórios, gabinetes bibliotecas e salas de aula, enfrentando a descrença e a maledicência de muitos e maldosamente apelidada de "Perversidade" pelos intolerantes e invejosos, suas aulas teriam início a 24 de março de 1913, contando com o já apreciável número de noventa e sete alunos.
Chegara o ano de 1914 e os estudantes, mal acomodados como sardinhas em lata, sonhavam o quanto antes ocupar as novas instalações da Universidade da Praça Santos Andrade.
Vítor e Nilo desejavam mu-dar-se do prédio acanhado, mas em meio a um ato solene.
Mas assim não pensava a estudantada e, diante do impasse, bolam um estratagema que daria certo.
Simulam um princípio de incêndio nos fundos do velho sobrado.
As labaredas provocaram, de imediato, um alarme geral, aglomeração de curiosos e a presença urgente do pessoal do Corpo de Bombeiros.
Dessa situação de pânico aproveitam-se os universitários para retirar móveis, cadeiras, espalhando-as pela calçada.
Assim, com a primeira etapa vencida, partem para a concretização do objetivo final: o transporte desse mobiliário.
E como era bonito e cômico de se ver, a rapaziada, entre risos e brincadeiras, atravessar a Praça General Osório e em desfile pela Rua Quinze, carregar às costas mesas, cadeiras, quadros-negros, até o átrio do porão da nova Universidade.
Dirceu de Lacerda, em saudosa entrevista, informa-nos terem sido dois os líderes desse inusitado movimento, ambos segundaristas de Direito, Oscar Martins Gomes, mais tarde um dos nossos juristas de maior competência profissional e professor catedrático, na mesma instituição de ensino superior, de Direito Internacional Privado, e Tasso da Silveira, que os anos o tornariam um dos maiores poetas do nosso Paraná.
Vitor do Amaral a princípio não aprovara as artimanhas de seus discípulos.
Mas logo mudaria de opinião.
Ciente de que mais cedo ou mais tarde a mudança teria que ser realizada e que a Universidade, sempre em déficit, não disporia de recursos financeiros para reembolsar a empresa transportadora, acabaria por considerar que o ato de rebeldia da mocidade estudiosa fora, afinal de contas, uma ação benemérita e generosa e que conseguira o seu objetivo sem nada desembolsar.
Certamente os seus alunos não lhe iriam cobrar o carreto...

Wilson Bóia, curitibano, é presidente da Sociedade Brasileira dos Escritores Médicos.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Histórias do Paraná - Mãe Preta

Histórias do Paraná - Mãe Preta

Mãe Preta
George Roberto Washington Abrão

Negra de sorriso aberto, simpatia pingando dos olhos bondosos, do corpo obeso, roliço.
Idade? Pra que saber. "Negro quando pinta, três vezes trinta", diz o dito popular.
Ancas volumosas, fartos seios.
Seios que amamentaram quantos?Já perdera a conta. Mãe de leite, quando o leite faltava à mãe natural. Bênção Divina poder amamentar crianças alheias, poder dar força e sustento ao filho que passava a amar como seu.
Assim era a Bastiana que eu conheci emjaguariaíva, quando ainda era criança.
Sebastiana era o anjo da guarda da cidade! Festa, doença em família, velório, e a Bastiana estava lá tomando conta de tudo: da cozinha, ilos preparativos; animava ou consolava, dependendo da ocasião.
Sem esperar nada em troca, pelo desejo de servir, pela amizade, pela dedicação ao povo da sua terra!
Gostava de se divertir.
No fim da Rua Almeida Salim, próximo ao cemitério, havia um clube cujo nome eu nunca soube, pois iodos o chamavam de "Formigueiro". No clube não tinha luz, mas diversão tinha bastante, baile todo o fim de semana.
Lá a Bastiana reinava, dominava, mantinha a ordem e o respeito, pois tinha que haver respeito, senão o convite era para se retirar.
No carnaval, todos esperavam pelo bloco do clube, "Bloco da Bastiana", cujos componentes vinham vestidos de índios, com roupas feitas de "barba de bode" - parasita que pende das árvores - pés no chão e animados, tocando seus instrumentos rudimentares.
Sebastiana vinha na frente animando o grupo; recebendo os aplausos de seu povo, sua glória maior! Hoje, o clube e o bloco já não mais existem, só na lembrança dos que viveram na época ou em alguma foto perdida.
E a Sebastiana também há muito já vive no céu, onde deve passar o tempo todo embalando os anjos e encantando os santos com seu sorriso.
Seu povo não lhe ergueu um monumento, como os paulistanos à "Mãe Preta" no Largo do Paissandú, nem a homenageou com um mausoléu.
Hoje, peço licença a todos os jaguariaivenses para, em nome de todos, prestar homenagem à Bastiana, que deve viver sempre na memória dos que a conheceram e a estimaram. E, reverenciando uma, reverenciar todas as Bastianas deste nosso Paraná.
A sua bênção, Bastiana!

George Roberto Washington Abrão, nascido em Jaguariatva, é gerente de banco em Piraí do Sul.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Histórias do Paraná - Carne seca e diabo loiro

Histórias do Paraná - Carne seca e diabo loiro

Carne seca e diabo loiro
Ruth Bolognese

Há 30 anos, quem mais aterrorizava a população do Norte do Paraná, depois das geadas, eram dois homens.
Juntos, eles fizeram a própria história, através de crimes ousados e sangrentos.
Ou, pelo menos assim eram na imaginação das mulheres e crianças daquelas pequenas cidades que surgiam junto com os primeiros pés de café.
Um, por ser magro e alto, recebeu o apelido de "Carne Seca" e o outro, certamente pela cor dos cabelos, era chamado de "Diabo Loiro". Numa madrugada, os dois invadiram o quarto da moça que lia fotonovela, descuidada, com a janela aberta. A violência a que a moça foi submetida deve ter sido tão grande que a minha pouca idade não recomendou descrições, ou maiores detalhes. Não tão escabrosos, porém, quanto aqueles criados pela minha própria fantasia.
Outra vez, colocaram troncos de madeira numa estrada e conseguiram pegar um motorista de caminhão.
Isso me contaram: o motorista foi achado morto, com uma estaca cravada no coração Do caminhão, nem sinal.
"Carne Seca" e "Diabo Loiro" não perdoavam ninguém.
Crianças, velhinhas, senhoras, quem denunciasse alguma pista para a polícia entrava para a lista negra. E, mais dia, menos dia, teria que se explicar para a dupla.
Ardilosos, eles empilhavam caixas de sapatos, embrulhadas em papel de presente, no meio da estrada.
Os motoristas pa-ravam, curiosos, e lá estavam os bandidos.
Noites e noites minha mãe vigiava portas e janelas, olhando pelas frestas, ora esperando meu pai, que sempre chegava tarde, ora espreitando as ruas escuras de Mandaguaçú, morrendo de medo de enxergar o "Carne Seca".
E, por duas vezes, estivemos bem perto de encarar os dois.
Era tarde da noite e bateram na porta.
Minha avó, uma italiana com a coragem de quem tinha criado sete filhos sozinha, pegou um pedaço de lenha, foi para perto da porta e perguntou: "Quem é? É o Carne Seca?" Uma voz de homem respondeu:
- "Não". Minha mãe, apavorada, encolhida num canto da cozinha, não teve dúvidas — "Minha Nossa Senhora, então é o Diabo Loiro". Era apenas o vizinho querendo emprestar fósforos.
Outra vez, eles estiveram bem perto, de verdade.
Perseguidos pelapolícia, pularam a cerca da casa da Tia Vitória, 76 anos, sem ninguém saber, Na correria, derrubaram um cacho de bananas na varanda, agarraram algumas frutas e desapareceram.
Tia Vitória, meio surda, nada sofreu e nem prestou muita atenção na barulheira. Só reclamou das bananas amassadas que sujaram o ladrilho vermelho.
No desespero de proteger os netos, minha avó achou um jeito, meio discutível, é verdade, para enfrentar perigo tão grande.
Pendurou baldes e panelas nas portas e janelas e, se algum bandido ousasse entrar, pronto, a gente ouvia o barulho. A família passou a dormir tranqüila e segura.
Assim, com atitudes tão prosaicas, a população daquelas veredas do Norte do Paraná se defendeu durante meses dos ataques do "Carne Seca" e do "Diabo Loiro".
Com o tempo, a dupla de bandidos sanguinários desapareceu da região.
Muito mais tarde, eu soube que "Carne Seca" cumpria pena na Penitenciária Central do Estado, em Piraquara. E do "Diabo Loiro", nem notícia.

Ruth Bolognese é jornalista.

terça-feira, 19 de abril de 2016

Histórias do Paraná - Usina de apelidos (I)

Histórias do Paraná - Usina de apelidos (I)

Usina de apelidos (I)
Luiz Geraldo Mazza

Wilson Rio Apa, jornalista e escritor, chega em Paranaguá na estação ferroviária com a sua mulher, Estér, e os filhos Kim e Thor.
Com sua barba indiana, aquele ar de permanente aventura às vezes tangendo para o budismo, era conhecido por suas façanhas marítimas ao percorrer a costa com um frágil veleiro ou ao testar sua resistência física, sem alimentação, numa das ilhas da baía.
Usando roupas modernas - e Paranaguá era o ponto focal dessas inovações, porque elas surgiam primeiro no litoral e depois subiam a serra, até meados dos anos cinqüenta — e um clássico "jean sablon", o blusão caído sobre as calças, que na cidade imediatamente apelidaram de "caga em pé", Wilson era o nosso Jack London, o que rompia com as acomodações urbanas, e enfrentava o desafio do mar, como fez logo após formar-se em Direito, ao pegar um cargueiro estrangeiro no qual fez uma série de reportagens, cheias de reflexões filosóficas em torno da condição humana, para "O Estado do Paraná".
Pois Wilson e seus familiares tratavam do desembaraço das cargas, quando um dos "chapas" da estação ferroviária discute de quem era a sacola de viagem.
Um outro emenda:
- E de Jesus Cristo em feridas...
Verdadeira ou folclorizada, a passagem dá bem a idéia de Paranaguá como uma usina de apelidos, característica que foi perdendo com as transformações urbanas e a chegada da gente de outras partes do país, da febre cafeeira até a diversificação da pauta de exportação do porto.
Na cidade havia um promotor público, popularíssimo, que padecia de um mal estranho: costumava, em meio às madrugadas, nas rodinhas de boêmia, dormir em pé. Foi o que bastou para que o chamassem de "cavalo de padeiro". O apelido é perfeito na medida em que a cada parada da carrocinha de pão, referência desaparecida praticamente de cidades de médio porte, o cavalo puxava o merecido sono e saía com dificuldades, meio sonâmbulo, para a retomada do trabalho.
Uma pena que tenham desaparecido os textos sobre esse compulsivo hábito dos parnanguaras, um dos quais publicado no jornal "Diário do Comércio" durante as festas do tricentenário da cidade.
Alguns dá para lembrar, como "olho de pedir pão" para um sujeito humilde, súplice; "cara de areia mijada", para quem é portador de bexiga ou tem o rosto excessivamente perfurado, ou ainda "reboco de igreja velha" quando o estrago estético é maior. \
O Chiquinho Deliberador, ex-prefeito de Ibiporã, ao assumir o Porto de Paranaguá percebeu a rapidez com que surgem apelidos: por causa do defeito que tem num dos olhos foi chamado de "olho de garopa"; e o general Alípio Ayres de Carvalho, um dos implantadores do planejamento no Paraná, por sua visão multidisciplinar, ao tratar com intimidade de todos os assuntos, se transformou em "professor de Deus".

Luiz Geraldo Mazza é jornalista.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Histórias do Paraná - Estradas

Histórias do Paraná - Estradas

Estradas
Nilson Monteiro

Início da noite.
Fachos esquisitos, ardentes, brilharam ao mesmo tempo em três distâncias diferentes.
Clarão maior que farol de milha e mágico: não cegava, tampouco atrapalhava a visão.
Os três magros, suados, camisetas roídas nos sovacos, largaram para o mesmo destino, os brutões bufando.
Os faróis luziam mais que todas as estrelas, quem acreditasse em cometas do asfalto já teria o que contar para o resto da vida. O risco brilhante dos caminhões podia ser visto em Colorado, Curitiba, Ribeirão Preto, Ipatinga, Manaus, Belém ou São Paulo. A tocha, como um triângulo, seguia para o encardido norte do Paraná. Os caminhões, os que foram acordados pelo brilho, os assustados, os descrentes, os crentes, seguiram Dito, Tião e Mané. Mecânicos, lavradores, bóias-frias, guardas rodoviários, feirantes, políticos, prostitutas, motoristas, ciganos, padres, fazendeiros, ladrões, garçonetes, professores, médicos, agricultores, vagabundos, obscuros ou luzentes homens e mulheres que enxergaram os faróis, com ou sem profissão, não perceberam um pó fino, roxo, grudando nos poros, melecando as costas.
Ou o cheiro doce da antemanhã. Caminharam.
Maria vencera preconceitos.
Caminhoneira, dirigia até não suportar mais as dores.
José, seu companheiro, improvisava um berço na banheira onde testava câmaras remendadas.
Na borracharia, o cheiro era sujo, cinza, com mosquitos cansados namorando a lâmpada quase morta, cara de tomate.
José abaixou a voz de Sérgio Reis e seu menino da porteira no radinho vermelho de pilha.
Olhou as unhas massetadas, as mãos grossas, a roupa engraxada, pneus câmara, o batente, rodas, o martelo, o sossego do gato, a torneira pingando mole, nacos de borracha espalhados pelo chão, olhou a vida. E sorriu.
Boca a boca, buzina a buzina, a notícia correu o País. E este meteu o pé na estrada.
De Cambará a Paranavaí, de Presidente Prudente a Ortigueira, de São José dos Pinhais a Vitória, de Curitiba a Campo Grande, a mão virou única: atrás do Dito, Mané eTião.
Foram uma noite, dia, anos, secas e tempestades, calorões e geadas, meninos e velhos, orações e brigas, poeira soprando nos carreadores, relâmpagos trincando trilhas, trilhos e caminhos.
Eram risos caudalosos, espontâneos, quase inexplicáveis, misturados a lágrimas caudalosas, espontâneas, quase inexplicáveis.
Dito, Tião e Mané brecaram os brutos.
Nas mãos, uma garrafa de cachaça, um quilo de feijão e meio quilo de carne de sol.
Os fachos se encontram, único, varando o mato beira-linha.
Maria ardia.
Por um instante se fez silêncio.
Absoluto.
Absurdo. O mundo estacionado no acostamento, entre Londrina e Ibiporã. Até os grilos e as pererecas aquietaram.
Dito, Tião e Mané, as mãos ensebadas de direção e câmbio, arderam, abraçados a José, em brasa.
Um berro cortou a madrugada.
Os sinos desembestaram.
Feito loucos, um carrilhão descabelado, badalaram em todo o País. A moda sertaneja comeu solta em cada barraco.
Forró de sons, imagens e signos. E na borracharia Brasil começaram a aparecer coisas fantásticas como pães, goiabada, café, lápis, queijo, cadernos, roupas, peixes, um pedaço de rapadura, banana, arroz, mel, cachaça, espigas maduras, feijão, calçados, açúcar, sal, liberdade, prazer, laranjas, solidariedade, bifes, água, dignidade, terra...
Ana chorava, miúda e melecada.
Era natal.

Nilson Monteiro é jornalista e escritor.

domingo, 17 de abril de 2016

Histórias do Paraná - À beira do Ivaí

Histórias do Paraná - À beira do Ivaí

À beira do Ivaí
Maria Alice Volpato

Era poeira quando não chovia e barro quando chovia. Não tinha jeito mesmo. O pai vivia dizendo que ir de Peabirú para Maringá, onde naquele tempo tinha a agência do Banco do Brasil, só de cueca mesmo.
Isso porque, de cueca, ele podia "engolir pó" à vontade. E, antes de chegar na agência, punha a roupa limpa.
Estaria pronto para pedir mais um prazo para pagar as dívidas.
Nessas viagens de jeep, bom mesmo era quando chegava naquela curva, antes do Ivaí, o rio mais importante do Norte do Paraná. Depois da curva, lá estava o rio, imenso para os olhos infantis.
Marron, o barulho da correnteza dando arrepios na espinha.
Cercado pela mata, de todos os lados. O velho jeep avançava devagar e a gente imaginando quantas coisas podiam correr junto com as águas.
O pai respeitava o Ivaí e nas conversas dele era sempre aquela referência: "fica um pouquinho depois do Ivaí, ou iiiiiih, fica longe do Ivaí".
Um dia, ele chegou com a história dos sapatos brancos.
Contou que um caminhoneiro havia roubado uma mulher, levando para a beira do Ivaí e lá matado a pobre.
Depois de matar, o homem queimou o corpo, com gasolina tirada do tanque do caminhão.
Tudo o que sobrou foi um par de sapatos de salto, brancos, jogados perto do rio.
Foi a única prova do crime que a polícia encontrou.
Depois tinha a história do prefeito de um município vizinho, casado pela segunda vez, um verdadeiro escândalo para a época, já que a esposa legítima ainda morava na cidade.
Ele voltou de uma viagem trazendo a nova mulher. A Dona Maria, costureira, contou para a cidade inteira que, ao passar pelo Ivaí, a loira pediu ao marido para parar o carro.
Queria lavar o rosto antes de chegar.
Era a poeira de sempre.
Quando o jeep atravessava a ponte, de noite, a gente erguia a cabeça para olhar a mata.
Quem sabe, não podiam aparecer aqueles sapatos brancos, de salto alto? Quando era de dia, a gente ficava pensando como é que a loira finória do prefeito conseguiu lavar o rosto naquela água barrenta. E o olho pintado dela, como é que ficou depois?
O Ivaí continua lá, a ponte meio acanhada para olhos que já correram mundo. A história dos sapatos brancos perdida em alguma delegacia e a loira do prefeito, hoje respeitável viúva, nem deve se lembrar da passagem pela estrada.
Mas, toda vez que surge a curva, um pouquinho antes do rio, volta a antiga sensação de quem vai ver, finalmente, um par de sapatos brancos jogados na mata.
As águas, agora, correm depressa demais para os olhos adultos.
Com a mesma velocidade com que correram os anos.

Maria Alice Volpato é de Maringá, licenciada em Sociologia.

sábado, 16 de abril de 2016

Histórias do Paraná - As mulheres lapianas

Histórias do Paraná - As mulheres lapianas

As mulheres lapianas
Valério Hoerner Júnior

O Cerco da Lapa, ocorrido em 1894 em meio à Revolução Federalista, constitui notável episódio histórico.
No entanto, pouco ou nada foi dito a respeito do desprendido grupo feminino agregado aquelas circunstâncias de guerra. E hora, portanto, de lhe fazer justiça.
Sabe-se do Coronel Carneiro, então no comando da cercada praça de guerra: pessoa difícil de lidar; energético, não dissimulava insensibilidade; teimoso com tê maiúsculo, "intrepidez e "impavidez" caíam-lhe como a uma luva, mas mal disfarçava o atributo "temerário"; linguajar de caserna, cumpria o dever acima de tudo, custasse o que custasse.
Acabou dando no que deu, mas antes disso, tentativas da parte dos revolucionários foram repelidas sem cerimônia.
Carneiro só pensava em defender a Lapa (ordens de Floriano!) à bala, até o último homem. E o pior: sem chance alguma, ilhado, cercado de revolucionários por todos os lados.
Um belo dia, fato pouco divulgado, quase alteram-se as circunstâncias: chegam de São Paulo os esperados reforços, batalhões compostos de elementos da guarda-nacional e patriotas (sic) engajados a maneador.
Ao primeiro contato com o inimigo debandaram e aos magotes retornaram espavoridos a
Itararé. A coisa estava preta.
Fatos estranhos: Homembom Justo de Mello, à guisa de buscar reforços, fez da Lapa ao Rio de Janeiro numa galopada só. Curiosamente não os encontrou.
Voltar para quê? E ficou por lá mesmo. E também Lauro Muller que em dado momento achou mais garantido seguir os passos estonteados de Pêgo Júnior, também em debandada na direção de São Paulo e Rio.
Certa vez, Carneiro chama Dulcídio, comandante do Regimento de Segurança, polícia a cavalo, determinando manobra que fatalmente iria sacrificar aos que a ela se atirassem.
Diante da temeridade da idéia e consultado a respeito da execução, o coronel Dulcídio responde: "Comandante, conte para isso apenas com um oficial de cavalaria!" Ele, o único.
Bom soldado, possuía também bom senso para não pedir bobagem aos outros. A manobra acabou suprimida.
Nem por isso deixou Dulcídio de receber o tiro na bexiga que o mataria dias depois.
Certamente a grande perda do contingente.
Um herói de verdade.
A situação a cada dia ficava pior.
Havia pressão em cima de Carneiro para capitularem.
Nem pensar nisso.
Um dia, sentindo que sua intransigência poderia lhe sair pela culatra, tratou de retirar por trem as famílias da cidade, mulheres, crianças, velhos e inválidos.
As mulheres mandaram dizer então ao comandante que ficavam gratas por dádiva tão generosa e que aceitavam o oferecimento sim, contanto que lhes fosse concedida a graça de junto carregarem as pessoas de bem-querer, maridos, irmãos, noivos e filhos, partícipes da brigada do Coronel Lacerda.
- Ora, Senhoras, o que me pedem é impossível! - pondera o comandante.
- Então, correremos com eles os mesmos riscos.
A morte de Carneiro modificou a situação: o comando com Lacerda, bravo mas descortinado, arguto e com raízes naquele chão lapiano, capitulou por fim a praça maltrapilha.
Naquele chão ficou Carneiro, consciente de ter cumprido o dever, sua missão.
Quando a notícia da capitulação chegou a Floriano, este friamente resmungou: "Então o Carneiro morreu!"

Valério Hoerner Júnior da Academia Paranaense de Letras.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Histórias do Paraná - O poeta vidente

Histórias do Paraná - O poeta vidente

O poeta vidente
Wilson Bóia

Manoel Ribas comandaria os destinos de nosso Estado durante quase catorze anos seguidos.
De 1932 a 1945, ora como Governador, ora como Interventor, marcaria com suas atitudes imprevisíveis e irreverentes, com sua maneira peculiar de agir e de pensar, com seu temperamento arrebatador e explosivo, com seus momentos repentinos de irreflexão, a história política e administrativa do Paraná.
A sua índole democrática, a sua atenção voltada para com os humildes, chegando a mandar para a casa dos menos favorecidos da sorte não só alimentos como roupas e remédios, tratando a todos sem distinção de cor ou de categoria social, pronto a reconciliar-se publicamente com os seus adversários que antes combatera, dono de uma franqueza que por vezes atingia as raias da chavasquice, ora ^íegre, ora intratável, sua conduta confundia os próprios amigos e desnorteava os seus opositores.
Detestava a pusilanimidade, admirava os fortes e corajosos.
Como Interventor Federal e como Chefe do Partido Social Democrático teve erros e acertos.
No Palácio São Francisco viveu, mandou e desmandou.
Não gostava de cerimônias nem de aparatos.
Nada de protocolos.
Pois atendia aos que o procuravam a qualquer hora do cfia ou da noite e quando viajava, ia sempre ao lado do motorista.
Afinal, ninguém lhe era indiferente.
Ou admiração ou antipatia.
Mas vivia por aqui, morando em São José dos Pinhais, um poeta e dos bons, gaúcho de Alegrete, jornalista combativo, poeta ferino, boêmio incorrigível, o Barros Cassai, sempre a atacar com seus sonetos de fina ironia, pelas colunas do Diário do Paraná, o nosso pontagrossense maior. A seção intitulava-se ‘Violino do Diabo" e o autor se escondia sob o pseudônimo de Jacó Pim-Pim.
Sabia-se que Manuel Ribas andava seriamente adoentado e que se mandara para a estância hidromineral mineira de Araxá à procura de melhoras para a sua saúde.
Melhoras que, infelizmente, não aconteceriam devido a seriedade do diagnóstico.
E como uma premonição, prevendo o poeta um desfecho trágico para Mané Facão, como era chamado o interventor, certo de que ele não voltaria nunca mais ao governo paranaense, publicava a 22 de janeiro de 1946 (reparem que Ribas faleceria às doze horas e quarenta minutos da segunda-feira de 28) este soneto de sabor satírico, nele nem escapando o Flores, o célebre Capitão Fernando Flores, chefe de Polícia:
"Eu acredito em tudo nesta vida, um gato ser depois jaguatirica, uma arame farpado ser comida, um mendigo virar em gente rica.
Creio que Deus é a única subida, que se cura pancada com arnica, porque, afinal, na mundanária lida, pode um couro de porco ser pelica...
Veja, caro leitor, como sou crente, Acredito que um chifre seja pente, Que a voz da consciência seja um eco;
acredito, afinal, até no Flores, num arco-íris com um bilhão de cores,
só não acredito na volta do Maneco!"

Wilson Bóia, Curitibano, é presidente da sociedade Brasileira de Escritores Médicos.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Histórias do Paraná - O último suicida

Histórias do Paraná - O último suicida

O último suicida
Wellington J. Machado

O brigadeiro Eduardo Gomes, ex-tenente de 1922, era no dizer do professor Darcy Ribeiro, "solteirão, beato, triste, casto e calado". Era também sincero, o que quase eqüivale a um pecado mortal para quem se quer político.
Foi assim que, candidato à presidência em 1945, na redemocratização do país pós-dita-dura de Getúlio, o brigadeiro se declarou abertamente contrário a qualquer tipo de jogatina. E mais: anunciou que fecharia os cassinos e acabaria com o jogo do bicho se eleito fosse.
Pode não ter sido apenas por isso, mas o caso é que o brigadeiro perdeu a eleição para o general Eurico Gaspar Dutra - este se mantinha calado sobre o jogo e, assim era abertamente apoiado pelos sindicatos das casas de diversão e empregados em cassinos de todo o país. O resto da história todo mundo conhece: poucos meses depois da posse, no dia 30 de abril de 1946, uma terça-feira, Dutra reuniu o ministério e baixou um decreto proibindo todo e qualquer tipo de jogo no país, exceto, é claro, a loteria federal.
A notícia do fechamento dos cassinos causou alvoroço no Brasil todo, infestado que estava o país de cassinos. A rigor, eles só poderiam ser abertos, conforme determinava a lei, na capital federal e nas estações hidroterápicas, balneárias e climáticas.
Mas bastava ter um mísero olho de água levemente mineral para que qualquer lugarejo reclamasse a condição de "estação hidroterápica". No bairro do Ahú, em Curitiba, havia um olho d’água desses, justificando a existência no local de um cassino, apropriadamente conhecido como o "Cassino do Ahú".
Era uma bela casa noturna, incomparável àquelas espeluncas da fronteira paraguaia que os turistas brasileiros tratam por cassinos. E bem verdade que levou à ruína muitos e fez a desgraça total de outros.
Mas nunca, depois dele, Curitiba teve uma casa de espetáculos à altura para receber, como então, as maiores estrelas do "show biz" nacional, e algumas até internacionais, sem contar os fregueses especiais.
Numa noite de 1941, por exemplo, quem lá esteve espairecendo foi ninguém menos que Walt Disney, que estava a caminho de São Paulo, vindo de Buenos Aires, quando seu avião teve de fazer um pouso forçado em Curitiba.
Fechado, o prédio e a linda chácara do Cassino Ahú teriam o destino mais insuspeito; foram transformados num convento de religiosas.
Quem sabe, assim se acalmariam as almas dos suicidas por dívidas de jogo que, segundo a crença popular, insistiam e penar pelos jardins do cassino.
O último desses suicidas, nos dá conta um cordel publicado na época e assinado por um J.P. Veiga, teria sido um rico madeireiro, dono de várias propriedades na região dos Campos Gerais.
Homem de cinqüenta e poucos anos, ele freqüentava quase que diariamente o cassino, ora perdendo, ora ganhando.
Na última noite de jogo, perdeu uma pequena fortuna, nada porém que comprometesse suas finanças. O fechamento do cassino, levou-lhe mais que o dinheiro, levou-lhe o sonho de tentar recuperá-lo.
Isso, lamuriava-se ele com os amigos, era pior que perder até o último centavo. A abertura de uma que outra casa clandestina de jogo não lhe servia de consolo — o que o madeireiro queria era poder tentar recuperar o dinheiro onde havia perdido.
Capricho, sim, mas o que o general Dutra tinha com isso?
Ao final de três meses, numa madrugada, profundamente deprimido — nos diz o velho cordel — o homem disparou um tiro na boca.

Wellington J. Machado é administrador aposentado.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Histórias do Paraná - O Barão dos Campos Gerais

Histórias do Paraná - O Barão dos Campos Gerais

O Barão dos Campos Gerais
Marco Aurélio de Moraes Sarmento

Em visita ao Paraná, Dom Pedro II, Imperador do Brasil, e seu séquito, chegaram de navio a Paranaguá onde inauguraram o farol da Ilha do Mel e, em cortejo, subiram a serra da Graciosa, quando Sua Majestade veio a descansar debaixo do velho pinheiro que não era "araucaria angustifolia" e que já não existe mais.
No local do breve repouso existe uma placa alusiva à data.
Chegando a Curitiba que, na época, era Curityba após as honras de recepção, procedeu a diversos atos, inaugurações e recebeu inúmeras homenagens de seus súditos paranaenses.
Depois de alguns dias, viajou à Ponta Grossa, não sem antes, de passagem, inaugurar a famosa ponte dos arcos sobre o rio dos Papagaios, que até hoje existe e ornamenta um belo recanto.
Na Princesa dos Campos, enfastiado de tantas homenagens, resolveu pedir hospedagem longe da cidade e foi imediatamente atendido pelo maior fazendeiro da região que, muito rico, era, infelizmente pouco letrado.
O dono da fazenda, nos dias em que hospedou a visita imperial, sacrificou vitelas, faisões, perus e, esmerando-se, serviu toda espécie de iguarias procurando ser ótimo anfitrião.
Porém, chegando a hora da partida e não encontrando mais nenhum modo de agradar a nobre figura, resolveu de maneira inusitada prestar uma derradeira homenagem ao sábio Bragança.
Chegou-se a majestosa figura e disse:
- Meu Imperador, sei de Vossa incrível bondade e, para homena-gear-vos, resolvi que, hoje irei liberar meus mais de sessenta escravos e, para tal, gostaria que V. Excelência entregasse a cada um as cartas de alforria.
D. Pedro, com lágrimas nos olhos, porém alegre como criança, concordou e, após o feito, retomou viagem.
Tempos depois, já na corte, no dia de graças, o Imperador resolveu homenagear o autor daquela bondade e determinou isto aos assessores que lhe vieram com um Decreto Imperial de concessão da Ordem da Rosa. .—
D. Pedro, rasgando o papel antes de assinar, asseverou;
- Isto é pouco, façam-no Barão!
O assessor respondeu:
- Majestade, o homem é analfabeto!
O imperador retrucou:
- Não será o primeiro.
Sempre me cercaram e nunca tomaram a atitude nobre que ele tomou!
E assim, nosso Estado, à época Provincial, veio a saber que um antigo Capitão da Guarda Nacional, fazendeiro e pouco letrado, tinha se transformado no imortal Barão dos Campos Gerais.
Sua bondade o permitiu.
Obs: O Barão dos Campos Gerais, tropeiro por profissão, quase analfabeto, foi deputado provincial e
Vice Presidente do Paraná. Possuiu três fazendas enormes na região de Ponta Grossa.

Marco Aurélio de Moraes Sarmento é Capitão da Policia Militar do Paraná.

terça-feira, 12 de abril de 2016

Histórias do Paraná - A cabocla e o Marquês

Histórias do Paraná - A cabocla e o Marquês

A cabocla e o Marquês
Francisco Britto de Lacerda

Por mistérios que ninguém explica, o Marquês de Pardallian, famoso cavaleiro francês, viveu na Lapa uns cinco anos, no primeiro quarto do século XX.
Ele trabalhava como agrimen-sor sem assiduidade, quando lhe apetência.
Vinham-lhe da França outros recursos, a longos intervalos, e aí se explica o atraso com que saldava seus compromissos.
Morava o Marquês de Pardallian na beira da estrada da Ponte Nova, caminho do Cerro Verde.
Mantinha em sua companhia uma cabocla trigueira chamada França. "Essa é a França que eu achei em lugar da outra França, que perdi", assim ele se referia à companhia, excelente dona de casa.
Exibia o fidalgo próspera barriguinha, ligada a gorduras, muita farofa.
Bom francês, era chegado a queijo; comprava o produto fresco, ainda derramando leite, e o mantinha na despensa até criar bicho.
De pincenê, um cálice de vinho à sua frente, Pardallian se entregava à contemplação, atento à vaquinha que pastava, dando encanto a paisagem.
Ele e a França pouco conversavam. A moça não alcançava o que o francês lhe dizia.
Mas desempenhava bem por demais os deveres de manceba, e comida não deixava faltar. Músico empírico, o Marquês de Pardallian preenchia suas horas de ócio tocando violino.
Incapaz de captar as peças clássicas, França chegava a chamar a Serenata de Schubert de "moda enjoada".
Montado no cavalinho baio, botas bem engraxadas, ar nobre de quem parte para a caça à raposa, o Marquês ia à cidade.
Para beber conhaque e jogar baralho, freqüentava o Congresso Recreativo. O botequinho do Congresso, Barão Ferdinando Dreifus, fugitivo do Kaiser, pertencente à nobreza decadente, acolhia o ilustre gaulês.
Contar que fim levou o Marquês de Pardallian não é difícil.
Corria o mês de setembro de 1923. Dias muito chuvosos.
Os que moravam no interior não podiam sair.
Firmado o tempo, três dias de sol, o prefeito precisou dos serviços do francês para uma medição.
Parou na porteira.
Bateu palmas.
França veio atender. "Quero falar com o Marquês de Pardallian", disse o prefeito. "O homem eu enterrei a par daquela árvore", respondeu a cabocla, apontando e direção de uma cruz tosca.
Os vizinhos confirmaram que o fidalgo tinha morrido de pneumonia, conseqüência de um vento encanado, daqueles que agem como raio.
Sucumbiu em dois dias, não suportou a febre alta, que o fazia delirar em francês, chamando repetidas vezes sua "maman". O mau tempo e a falta de recursos obrigaram a companheira a sepultá-lo à sombra de um flamboyant que dava flores bem vermelhas.
A famosa cabocla, encanto de todos os marqueses, ainda viveu vários anos.
Morreu de velha.

Francisco Britto de Lacerda, advogado

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Histórias do Paraná - A curiosidade

Histórias do Paraná - A curiosidade

A curiosidade
Tadeu de Souza Barião

- O que o padre usa por baixo da batina?
Toda criança que viveu o tempo em que os padres ainda usavam batina, deve ter feito essa pergunta pelo menos uma vez na vida. A questão me ocorre agora, muitos anos depois de os padres largarem o hábito religioso, em razão de uma propaganda exibida na televisão.
Ela mostrava um jovem sacerdote vestindo batina (coisa que hoje só passa mesmo pela cabeça de publicitário). O padre em questão está com a batina arregaçada em frente, para saltar um poça de água, e o que aparece? Uma insuspeita cueca samba-canção de cor levemente rosada, com "pois" brancos. E maldade pura!
Maldades a parte, fui garoto no tempo em que missa era em latim, padre usava batina e, claro, tinha natural curiosidade em saber o que eles usavam por baixo.
Mas essa não era a maior de minhas curiosidades nessa área envolvendo hábitos e religiosos.
Garoto de oito anos, fim dos anos 50, fazia o primário como aluno interno do Instituto São José, de Abranches, na capital.
Era, então, um colégio regular, misto com turmas de alunos internos, semi-internos e externos, dirigidos por freiras vicentinas.
Nessa época, além do
hábito azul escuro pesadão, as irmãs vicentinas usavam aquela espécie de chapelão estranhíssimo, feito de pano engomado, com algo parecido com um grande bico que se projetava para a frente e duas asa de gaivotas nas laterais.
Um adereço que remetia à idade média, cobrindo além da cabeça também as orelhas, parte da testa e a nuca.
A curiosidade geral era sobre o que haveria entre o crânio e o chapéu das freiras.
Ou seja, se elas tinham cabelo ou seriam totalmente calvas. Dúvida de tamanha envergadura vinha a ser de tempos em tempos a preocupação primeira da gurizada, da mesma forma que este ou aquele jogo tinha sua época certa para reinar. A curiosidade, corrosiva como toda a pergunta para qual não se tem resposta, movimentava o colégio dias e semanas a fio, do primeiro sino que marcava a acordar à última ave-maria do dia rezada aos pés da cama nos dormitórios coletivos.
Surgiram apaixonadas discussões, faziam-se apostas nesta ou naquela hipótese, havia quem ousasse apostar sua coleção inteira de figurinhas Zequinhas, incluindo as premiadas.
Mas nunca, em tempo algum, houve quem se investisse da coragem necessária para perguntar a uma freira "afinal, vocês tem ou não tem cabelo?"
Até que o impressionante aconteceu.
Certa tarde, durante um dos costumeiros passeios semanais dos internos e internas pelas cercanias do colégio, a pé, desabou um aguaceiro repentino.
Dessas chuvas fortes e inesperadas, em que mal se passa um minuto entre o primeiro trovão e os primeiros pingos fortes.
Irmã Verônica, freira jovem e das mais queridas do colégio, era quem tomava conta dos garotos nesse passeio.
Coitada! Quando a chuva começou, não havia por perto nenhuma casa, nenhuma árvore frondosa onde procurar abrigo,
só um potreiro gramado.
Em pouco tempo, encharcado de chuva, o chapéu engomado da freira desabou, molenga como um lenço molhado.
E então deu pra ver.
Por baixo do chapéu empapado deu para ver uma cabeça coberta de cabelos curtos, displicentemente cortados.
Cabelos negros. O segredo estava desvendado. A curiosidade, satisfeita.
Mas antes não tivesse chovido forte aquela tarde! Primeiro, para evitar o vexame da dócil Irmã Verônica.
E, principalmente, para manter aceso o encantamento de uma curiosidade singela.
O prazer da curiosidade, descobrimos então, é maior que a satisfação dessa curiosidade.
Feito o primeiro beijo: bom, sem dúvida muito bom, mas não tão bom como a curiosidade do primeiro beijo.

Tadeu de Souza Barião, de Cascavel, professor secundário.

domingo, 10 de abril de 2016

Histórias do Paraná - 300 loiras bem geladas e um garanhão quente

Histórias do Paraná - 300 loiras bem geladas e um garanhão quente

300 loiras bem geladas e um garanhão quente
Ivo Nalce

Thomas Plantagenet Bigg-Wither com esse nome todo era inglês — afinal ninguém tem culpa de ter nascido na Inglaterra, e também ninguém tem culpa de ter nascido no Paraná — e como todo inglês era meio chegadinho a uma cerveja bem gelada.
Bigg-Wither foi um engenheiro que veio ao Paraná em junho de 1972, contratado pela Paraná and Mato Grosso Survey Expedition, seja lá que diabo isso for, e ficou três anos aqui no Paraná, demarcando a Colônia Thereza.
Seu primeiro contato com a "Terra das Araucárias" foi em Antonina, onde desembarcou com outros engenheiros ingleses.
Foram todos se instalar com armas e bagagens no único hotel da cidade de propriedade de um Sr. Pascoal.
Bigg-Wither, no excelente livro que escreveu sobre suas experiências no Paraná, desconfia que a placa do hotel foi colocada quando eles chegaram e retirada quando eles se foram, talvez para economizar o letreiro exposto ao inclemente sol dos trópicos.
Bigg-Wither repara que as casas de Antonina, então com 1.200 habitantes, não tinham chaminés e a fumaça da cozinha saia pelo vão das telhas, talvez para poluir dentro de casa e não a natureza, e poucas janelas eram envidraçadas.
Durante os três dias que ficaram no hotel do Sr. Pascoal, tomaram várias cervejas inglesas Bass and Co. para combater o calor, afinal naquele tempo não existia Coca-Cola.
Mais tarde, no interior do Paraná, Bigg-Wither descobriu que muitas garrafas de cerveja inglesa, depois de consumidas, eram enchidas com cerveja nacional e vendidas como importadas, igualzinho como se faz com o uísqui hoje.
Quando iam sair do Hotel, o Sr. Pascoal, depois de horas calculando, apresentou a nota.
Bigg-Wither viu então que segundo a conta do hoteleiro eles tinham bebido 300 garrafas de cerveja em três dias, o que, convenhamos é meio muito.
Como não tinham conhecimento desse costume brasileiro de se somar até a data nas contas, Bigg-Wither pagou sem bufar e seguiu viagem...
Em Ponta Grossa, ficou na fazenda de um conterrâneo, Mr.
Edenborough.
Contou das cervejas e o Mister contou para ele como tratar com tratantes.
Edenborough, reparando que os cavalos brasileiros eram muito pequenos, importou um enorme puro-sangue inglês, o primeiro no Paraná, e meteu-o nas corridas de canchas retas, uma mania nacional na época. O cavalo inglês ganhou todas as corridas que participou, enchendo de grana seu compatriota fazendeiro.
Quando velho, abandonou o turfe, ajudou a enriquecer mais ainda seu proprietário, cobrindo as eguinhas brasileiras, para reprodução.
Assim, Mr. Edenborough se vingara das cervejas falsificadas que era obrigado a tomar.

Ivo Nalce é historiador.

sábado, 9 de abril de 2016

Histórias do Paraná - Mão Negra e os bicheiros

Histórias do Paraná - Mão Negra e os bicheiros

Mão Negra e os bicheiros
Rodrigo Pereira Gomes

No início deste século, durante pouco mais de dois meses do segundo semestre de 1909,
os jornais da então mais que pacata Curitiba ocuparam-se de um estranho personagem, a quem apelidaram de "A Mão Negra". O sujeito, segundo o "Diário da Tarde", tinha "o feio hábito de entregar-se a escrever missivas anônimas". Eram, ainda segundo o jornal, "cartas ameaçadoras" endereçadas "a vários comerciantes desta praça".
Que ameaças eram essas? Quais eram os comerciantes ameaçados? Curioso, essas perguntas em momento algum foram respondidas pelo "Diário" ou outro jornal qualquer da provinciana Curitiba.
Os nomes dos ameaçados já corriam de boca em boca entre a população, a cidade não falava de outra coisa.
Os jornais ainda sim, preferiam gastar papel em catilinárias quase diárias contra o "pândego das cartas anônimas que vem sobressaltando diversos comerciantes". Nada porém de revelar seus nomes.
Por quê?
A resposta fica sugerida em algumas outras notícias a respeito das façanhas do "Mão Negra". No final de outubro daquele ano, uma das cartas do famigerado personagem caiu nas mãos do chefe de polícia. A carta, segundo os jornais, denunciava a existência na cidade de diversos banqueiros do jogo do bicho, já então praticado ao arrepio da lei, sem contudo citar-lhes nomes. (Não seriam eles os mesmos respeitáveis cidadãos curitibanos que estavam sendo ameaçados?)
Os jornais dessa época também nos dão conta que "Mão Negra", em outra carta enviada semanas antes ao Dr. Costa Carvalho, figura bastante conhecida na cidade, avisava que um sueco de nome Rytling, sem familiares na cidade, haveria de se suicidar por causa do jogo do bicho. O que, destacava o "Diário da Tarde", "acabou realmente por se confirmar, com a horrível auto-eliminação do sueco Rytling na Praça Osório".
Mas surpreendente, mesmo, é que o jornal não tenha desconfiado
— ou não quis desconfiar — que o sueco, em vez de suicidar-se, tenha sido "suicidado". Afinal como pode alguém saber antecipadamente que um determinado sujeito vai se suicidar semanas depois? O chefe de polícia, suspeita-se, bem que desconfiou, mas preferiu fazer de conta que a bronca não era com ele.
Toda essa história acabou de forma tão misteriosa como começou.
De um dia para o outro, os jornais simplesmente deixaram de falar
no "Mão Negra" e em suas cartas ameaçadoras. E o assunto acabou por esquecido em pouco tempo.
O mais provável é que os "respeitáveis comerciantes da praça de Curitiba" que estavam sendo ameaçados, na verdade metidos com a jogatina proibida, resistiram o quanto puderam às tentativas de achaque do misterioso "Mão Negra". Isso até receberem o duro recado do "suicídio" do sueco.
Então, amedrontados, pagaram ao achacador, e a história do "Mão Negra"acabou por isso mesmo.
Se não foi assim, o que afinal teria se passado nesses pouco mais de dois meses de 1909 na (quase) pacata cidade de Curitiba?

Rodrigo Pereira Gomes, de São José dos Pinhais, funcionário público aposentado.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Histórias do Paraná - A fézinha

Histórias do Paraná - A fézinha

A fézinha
Mauro Goulart

"Titio" era um dos carcereiros da Prisão Provisória do Ahú, em Curitiba.
De idade indefinida, mas que poderíamos dizer "aí pela casa dos sessenta", fazia seu expediente à noite.
Sempre de chinelos, cujo ruído do arrastar quando andava permitia identificar, ao longe, quando vinha pelos corredores da prisão.
Quepe caído sobre os olhos e cobrindo uma calva não total devido a uma rala penugem de cor não identificada presente nas têmporas e no occípito.
Mesma sorte não tinham as gengivas, estas já totalmente abandonadas pelos dentes e normalmente desguarnecidas da dentadura.
Desleixado, "Titio" carregava a dentadura, surrada, suja e com dentes faltando, no bolso da camisa.
Quando ia mordiscar alguma coisa, sacava o exótico instrumento, como que um par de óculos jogando-a dentro da boca, onde se encaixava com impressionante rapidez.
Sempre que ia iniciar uma conversa dava um piparote na aba do quepe lançando-o para trás, pigarreava, e um eterno palito de fósforo, que corria de um canto a outro de seus lábios, adquiria vertiginosa velocidade.
Figura simpática, não fossem algumas manias constrangedoras e certas opiniões nada animadoras. Éramos em 15 presos, inicialmente, naquela cela, e uma das suas "conjecturas filosóficas" prediletas era: "Se Jesus Cristo, no meio de 12 apóstolos, tinha um traidor, imagine vocês aqui em quinze?" Decididamente, para quem estava preso por motivos políticos, em pleno AI-5, sendo visitado periodicamente pelos diversos órgãos de repressão, estas palavras não podiam ser identificadas como sendo daquelas "para elevar a moral".
O "Titio" pintava e bordava.
Acenava com vantagens, desde que "algum", "não como corrupção, mas como contribuição para pagar o ônibus e outros gastos menores", caísse no seu bolso.
Volta e meia nos apresentava uma lista de "contribuições voluntárias", feitas também por "iniciativa voluntária", dos presos de uma determinada galeria, como a arrecadação de alguns cruzeiros para ajudá-lo a cumprir o seu honorário mister.
Numa ocasião, o Ahú amanheceu alvoroçado.
Um grande banqueiro do jogo do bicho havia sido preso.
Como dizia Tatarovich, contrabandista iuguslavo: "Peixe dos grandes caiu no rede".
Mas estas novidades logo eram assimiladas, e o banqueiro deixou de ser figura notória em pouco tempo.
Logo, logo, já estava conversando conosco, embora tivesse sido alertado por toda a carceragem que: "aquela turma de estudantes comunistas era barra pesada".
Homem de conversa fácil, logo travou amizade.
Inclusive, vez ou outra, ia jogar um futebol de salão conosco, na nossa famosa 1 hora e meia de sol que tínhamos por dia.
Em pouco tempo, contávamos nossas aventuras (ou desventuras, sei lá). Embora homem de conversa fácíl, era extremamente zeloso de seus negócios, normalmente evitava comentar suas atividades.
Mas, num certo dia, numa roda de chimar-rão, depois que o falecido Sargento Alberi, que havia participado do episódio conhecido como a "Guerrilha do Coronel Cardin" contou as torturas que havia sofrido, o nosso — já
— amigo banqueiro do jogo do bicho desabafou: "Olha pessoal, ter sido preso por ser banqueiro de bicho é fogo.
Mas, fogo mesmo, foi no segundo dia em que estava preso, na minha cela, quando entra um carcereiro velhinho, totalmente banguela, andando arrastando o chinelo de dedo, dá um piparote na aba do quepe jogando-o para trás, e com um pequeno bloco de papel na mão, fala todo cordial: - "Boa noite, pessoal.
Quem quer fazer uma fézinha?"
Mauro Goulart, médico, ex-líder estudantil, foi preso político.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Histórias do Paraná - O salto do Néco Maluco

Histórias do Paraná - O salto do Néco Maluco

O salto do Néco Maluco
Kit Abdala

Quando cheguei em Francisco Beltrão, em meados de 1959, o grande drama dos beltronenses era a viagem até Curitiba.
Quando o tempo estava bom levava-se dois dias de viagem.
Quando chovia, o tempo de viagem era totalmente imprevisível. A solução seria comprar um avião.
Fomos conhecer o aeroporto que na época era um simples caminho de roça.
Entrei em contato com o então prefeito Ângelo Comilotti e consegui uma motoniveladora.
Alargamos e balizamos a pista e em seguida construímos o primeiro hangar do Sudoeste do Paraná que ainda hoje é considerado o melhor da região.
Para inauguração da nova pista e do novo hangar resolvemos fazer a primeira festa aérea de Francisco Beltrão.
Comprei um avião Cessna 195, de seis lugares, e fui a São Paulo em busca de três pára-quedistas.
Conseguimos os mesmos e voltamos a Beltrão dois dias antes da tão esperada festa. A maioria da população de Francisco Beltrão e do Sudoeste do Paraná jamais havia visto um pára-quedista de perto.
Começamos a anunciar pela Rádio Col-méia que viria o famoso "Néco Maluco", cuja maior façanha era se atirar de pára-quedas a 1000 metros e
só abrir o mesmo a 100 metros do chão.
Ninguém acreditava no que era anunciado.
Levantamos vôo e saímos distribuindo folhetos a todas as vilas do Sudoeste.
Foi um verdadeiro sucesso.
Veio gente de todas as partes para assistir e conhecer o famoso saltador "Néco Maluco". Dois pára-quedistas saltaram antes, para delírio da platéia presente. O Néco Maluco, todo de branco, ficou cumprimentando a galera presente.
Todos ficaram encantados com a simpatia do Néco.
Chegou a hora do terrível salto. O avião, ao se dirigir para a pista com a porta aberta do lado direito, mostrava o Néco já de pára-quedas acenando a sua mão, principalmente para as belas e joviais representantes do sexo feminino, a quem ele já havia conquistado.
Um possante alto-falante foi instalado no campo de aviação, onde através de um microfone eu irradiava todos os movimentos para maior compreensão dos presentes.
No momento mais emocionante da festa, anunciei o salto do "Néco".
- Atenção pessoal, prestem muita atenção que o Néco vai realizar o salto mais espetacular do mundo !"
A população inteira ouviu o possante avião reduzir a sua potência e todos acompanharam o salto do Néco.
E o Néco vinha rodopiando e nada de abrir o pára-quedas e eu no microfone:
- "Não se assustem, o pára-quedas vai abrir só a 100 metros."
E o corpo vinha rodopiando, rodopiando, até se estatelar no potreiro vizinho ao aeroporto.
Foi um Deus no acuda!
O Dr. Arizone bateu na sua reluzente careca e disse: "estas festas nunca dão certo".
Um advogado presente chorava como uma criança
- "era meu amigo, como pode morrer assim..."
O povo saiu na corrida.
Pularam a cerca e trouxeram o corpo de um boneco, todo vestido de branco, que eu havia colocado de madrugada dentro do avião, que estava no hangar, sem ninguém perceber.
O Zambom, velho gringo de guerra, foi o primeiro a chegar perto do boneco.
Com aquele sotaque "Piemontês" de Caxias do Sul, ele disse: - "óia aqui Quito, quando eu pulei a cerca, rasguei a camisa de ir na missa aos domingos, quando eu cheguei lá e vi que era um boneco me deu vontade de matá o boneco..." A risada foi geral, e sem dúvida alguma esta passagem ficou na historia de Beltrão.
Kit Abdala, médico em Francisco Beltrão

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Histórias do Paraná - A Primeirona

Histórias do Paraná - A Primeirona

A Primeirona
Roberto de Souza Brandão

Atentem para a escalação deste timaço: Hauer, Labusch e Dietrich; Iwersen, Iusksch e Theo Obladen, Kastrup, Maschke, Leo Obladen, C. Shlemker e Fritz Essenfelder.
Até parece a seleção alemã que levou a Jules Rimet na copa de 1954. Na verdade, trata-se dos onze saudáveis jovens curitibanos que, longínquo 24 de outubro de 1909, um domingo, disputaram como os "Ingleses" de Ponta Grossa a primeira partida de futebol interclubes realizada no Paraná. Com esses nomes, não era estranhável que fossem mais conhecidos como os "Alemães". Daí que algum gaiato até pode dizer que a primeira partida de futebol no Paraná foi internacional, Ingleses X Alemães.
Os "alemães", como se diz no jargão esportivo, defendiam as cores do glorioso "Turnverein" que, pouco tempo depois, se transformaria no não menos glorioso "Coritiba Foot-Ball Club". Vem dessa época seu apelido de "Coxa Branca", por razões que parecem óbvias, embora o apelido de "Coxa Rosa" também não lhe caísse mal.
Já os pontagrossenses, apesar de mais conhecidos então como "os ingleses", tinham uma folgada maioria de jogadores brasileiros de certidão e nome.
Na histórica primeira partida, ou "match" como se dizia então, eles foram a campo com Ayres, Frederico e Debu; Charles Wright,Joca e Maravalhas,J. Dawes, Monteiro, Silva Jardim, Flávio Guimarães e Salvador.
Alem de jogar em casa, no "ground" do Alto do Cemitério, os pontagrossenses ainda levavam a vantagem de ter o "referee", vulgo juiz, o inglês Magnus Flygare, funcionário da American S. Brasilian Engineering Ca, empresa encarregada de construir a ferrovia que ligaria o Paraná a São Paulo e ao Rio Grande do Sul.
Mas é maldade pensar que o "team" pontagrossense venceu o embate, por um gol a zero, graças a essa vantagem.
O "team" curitibano perdeu, ou deixou de ganhar, por puro azar, sabe como é. Futebol é uma caixinha de surpresas... Pelo menos é isso que sugeriu uma testemunha privilegiada desse primeiro match futebolístico, o repórter Aldo da Silva, do "Diário da Tarde": "Os Teutos (ou seja, os Alemães) desenvolveram no segundo tempo um ataque enérgico e se não conseguiram marcar pontos devem simplesmente ao não conhecimento do terreno e ao acaso", escreveu Silva na pormenorizada reportagem que o "Diário da Tarde" publicou dois dias depois, na primeira página.
Nela, sobram elogios desbragados, também para o primeiro cartola coxa, o presidente do "team" Frederico Rummert, além de descrições do tipo: "as arquibancadas do Foot-ball Club Ponta-grossense estavam repletas de espectadores que se derramavam pelos lados do campo, e todos pareciam ansiosos para ver o início do match..."
Embora não se saiba de outros repórteres que, em jogos posteriores, tenham atribuído a derrota de uma equipe ao desconhecimento do campo - afinal todo campo de futebol é praticamente igual: retangular, com medidas fixas, gramado e dois conjuntos de traves — o atilado Aldo Silva fez escola na nossa crônica esportiva.
Pois foi como convidado especial de um dos clubes, o Turnverein, que ele cobriu a partida de estréia do nosso futebol.
Nessa condição ele viajou para Ponta Grossa, hospedou-se no melhor hotel da cidade, foi a jantar e baile — tudo na mordomia. E até hoje, dizem não há coisa que um cronista esportivo goste mais que uma bela mordomia.
É bem verdade que Aldo Silva não estava só. Também incorporado à delegação do Turnverein como convidado especial estava o repórter Luiz Schlemker, do "Der Beobaether", informativo da colônia alemã em Curitiba.
Mas esse, como apenas seus patrícios entenderam o que aconteceu, a historia acabou por absolver.
Roberto de Souza Brandão, comerciante em Curitiba

terça-feira, 5 de abril de 2016

Histórias do Paraná - Pênalti para o Londrina

Histórias do Paraná - Pênalti para o Londrina

Pênalti para o Londrina
Ernani Buchman

Conto aqui um fato, que se assim não se passou, passa a ser esta a versão histórica.
Inicio dos anos sessenta, lá estavam Apucarana e Londrina a decidir um campeonato da região.
Jogo em Apucarana, a ser transmitido para Londrina. O problema era que duas rádios faziam as coberturas esportivas, mas havia entre as duas cidades não mais que uma linha para a transmissão. O remédio foi fazer um sorteio. E como costuma acontecer com sorteios, ganhou a radio que mantinha 20% da audiência. A outra, a Paiquerê, que detinha os 80% restantes, ficou na poeira, Ou quase: seu locutor, Willy Gonzer, conhecido tanto pela competência como por mudar mais de emissora e cidade que cigano fugido, resolveu usar um velho recurso do rádio de outrora: dublar o jogo.
Aos menos iniciados, consiste em ficar no estúdio, microfones nos ouvidos, repetindo aquilo que ouve do locutor da outra rádio.
Uma pirataria justificável, até porque os patrocinadores da equipe de esportes da Paiquerê não poderiam ficar fora do ar, logo na decisão do campeonato.
Corre o jogo em Apucarana.
Seria campeão quem vencesse. O Apucarana é todo ataque.
No estúdio, Willy Gonzer segura a audiência como se estivesse no estádio. A partida vai chegando ao fim.
Nada de gols, mas o Apucarana continua insistindo.
Até que, passados já os quarenta minutos do segundo tempo, sobra a bola para um Adamastor qualquer escapar em direção ao gol do Apucarana.
Entrou na área naquela situação que Nireu Teixeira descreveria como ele, o goleiro, as traves e Deus. E foi derrubado.
Se não tivesse sido tão escandaloso, sua honestidade não teria marcado, que nenhum juiz de futebol é louco o bastante para apostar o próprio escalpo.
Mas não houve jeito. Pênalti a favor do Londrina.
Willy Gonzer narrou o pênalti a plenos pulmões, quando houve uma queda de energia. E adeus ao sinal de rádio vindo de Apucarana.
Silêncio do outro lado, não no estúdio da Paiquerê. Willy continuou transmitindo.
Falou das reclamações dos jogadores do Apucarana, da fúria da torcida, da expectativa da torcida do Londrina, presente ao estádio. E nada do sinal voltar.
Esperou uns bons dez minutos, até que não houve mais jeito.
Era preciso bater o pênalti. E lembrando que o centroavante Gauchinho já havia batido dez pênaltis naquele campeonato, sem errar nenhum, Willy não teve dúvida: usando o nome do jogador, tomou a liberdade de bater a falta e fazer o gol.
Gritou, comemorou e começou a ouvir os foguetes estourarem na cidade. E nada do sinal voltar.
Manteve a platéia atenta mais alguns minutos, até ser obrigado a encerrar o jogo.
Convenhamos que para quem havia feito o gol, terminar uma partida não era tarefa das mais difíceis. E o sinal não voltava, como não voltou jamais.
Quem voltou foi do time do Londrina, recebido na entrada da cidade por uma multidão em delírio a comemorar a conquista do campeonato, para espanto da delegação.
Gauchinho, naquela tarde em Apucarana, havia errado o primeiro pênalti da sua carreira.
Willy Gonzer foi, como um anônimo torcedor, conferir a chegada do time.
E antes de ouvir a sentença de morte contra ele decretada, ali mesmo apanhou mulher e filho pequeno e foi pedir emprego em outra cidade de estado distante.
Consta haver em Londrina, até hoje, torcedores inconformados que a cada jogo conferem, nas cabines de rádio, os locutores presentes.
Ainda não tiveram a sorte de encontrar por lá o criativo Willy.
Ernani Buchman é publicitário

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Histórias do Paraná - Os sonhos de Rossi

Histórias do Paraná - Os sonhos de Rossi

Os sonhos de Rossi
Valêncio Xavier

Giovanni Rossi foi o único cara que, antes do tempo, viu o Paraná no século XX. Um Paraná bem diferente do de hoje, neste final de século: em crise como todo o Brasil, com sua inflação a prova de choque.
Médico-veterinário, agrônomo, ativista anarquista, nascido na Itália, Rossi foi o criador da tão pouco estudada Colônia Cecília, comunidade anarquista implantada em 1890, no Paraná, por imigrantes italianos.
Da Colônia Cecília dizem tantas besteiras como a que fora Dom Pedro II quem doara a terra para os anarquistas praticarem, entre outras coisas, o fim da monarquia. O próprio Rossi desmente: as terras, a 18 quilômetros ao sul de Palmeiras, "com 10 km2 de campos e bosques compramos ao preço de 15 libras o hectare pagável a prestações".
A Colônia Cecília, que chega a ter cerca de 200 habitantes, se extingue em 1893. Várias tm sido as explicações sobre seu fim: dificuldades financeiras, perseguição governamental pelos colonos terem aderido à Revolução Federalista.
Ou explicações tão bestas como a que, escandalizadas pelo amor livre ali praticado, as famílias fugiram antes que traçassem suas virginais filhi-nhas.
Mas a explicação certa é o próprio Rossi quem dá: "o nosso pequeno mundo anárquico era muito pequeno e, por isso, muito pobre para assegurar o pão branco, a garrafa de vinho, a entrada para o teatro, a cama macia, a companheira para o amor.
Ao contrário da retórica dos poetas, preferimos as rosas da escravidão aos espinhos da liberdade".
Com a dispersão da Colônia Cecília, Rossi monta uma fabriqueta de bebidas, em Curitiba.
Fracassa e vai para Santa Catarina trabalhar em sua profissão.
Em 1907, volta para a Itália, onde morre em 1943.
Em 1895, escreve "O Paraná no Século XX", livro que faz uma novela de ficção científica, "Visão de Bêbado Contada por ele Mesmo". Na novela, numa sessão espírita, o espírito do Dr. Grillo (médico em Palmeiras) relata que em 1950, o Paraná vive grande progresso sob o regime anarquista.
Tem 20 milhões de habitantes, 4/5 deles imigrantes.
Suas linhas férreas cobrem todo o estado e alcançam o Pacífico. A ecologia é preservada. O centro do progresso é a cidade de Elettropoli, que se ergue em meio ao Parque Nacional de 7 Quedas, que não foram destruídas.
Eis um trecho desse livro inédito de Giovanni Rossi por mim traduzido:
"Elettropoli, fabulosa cidade de 500 mil habitantes, que se ergue perto das Sete Quedas, não é famosa apenas pelas milhares de turbinas hidráulicas submersas de uma margem a outra do rio, para alimentar enorme bateria de milhares e milhares de dínamos fornecedores de energia e eletricidade a todo Paraná... tem fama mundial por seus laboratórios eletrotécnicos e suas fábricas... produzem todo material da iluminação, da rede telefônica e de aparelhos fonográficos... maquinaria aperfeiçoada, multiplica os resultados industriais, reduzindo o trabalho dos operários... novas descobertas como a transmissão a cores de imagens em movimento... Elettropoli é o templo sagrado da ciência, vanguarda de todo progresso futuro".
Pena que não se cumpriram os sonhos de Giovanni Rossi.

Valêncio Xavier é escritor e historiador.

domingo, 3 de abril de 2016

Histórias do Paraná - Bigodes torcidos

Histórias do Paraná - Bigodes torcidos

Bigodes torcidos
Nilson Monteiro

Engraçado o Jaime e o Jorge.
Tem vários pontos comuns. A começar pela letra inicial do nome.
Os dois são risonhos.
Trabalham na mesma galeria, com o mesmo produto e com uma freguesia que tem -se tiver - pálidas diferenças.
Consideram-se londrinenses roxos, o que, para anotar, já é mais uma identificação.
Mas, suas vidas até parecem absurdas para a lógica do sistema, em que seu compadre rouba-lhe as meias sem tirar os sapatos.
Eu diria engraçados porque eles contrariam exatamente esta lógica imbecil. O Jorge tem um bar. E o Jaime tem outro.
Da janelinha do bar do Jorge, os dois conversam os mais diversos assuntos, trocam até os nomes dos fregueses mais duros, clientes constantes da pendura.
Os bares são na mesma galeria, meio espremida, desta cidade que abraçou as mais diversas procedências — os carcamanos, os açorianos, os japas, os ingleses, os baianos, paulista, gaúchos, paraibanos, brasileiros de cabo a rabo, sob o seu manto de terra roxa, cuja fama vazou fronteiras e preconceitos.
Sim, é obvio, há pequenas e quase imperceptíveis diferenças entre fregueses do Jorge e do Jaime.
Afinal, os ambientes são os mesmos e a cachaça custa o mesmo. A cerveja também.
Estas pequenas diferenças são de horários: às vezes, aquele paraguaio visita primeiro o santuário do Jaime, para depois rezar no balcão do Jorge, com os cotovelos enfiados nas histórias de sua convivência com a cidade.
Ou então aquele jornalista magriça, que não despreza um olhar mais agudo para as garotas que trabalham mais pro lado do Jaime, escorrega os salgadinhos do Jorge goela abaixo antes de visitar o bar vizinho.
Ou mesmo aquele imobilirista, pançudo e com cara de cansado, balança pra lá e pra cá, sem definir-se.
Sua única definição é pelo undenberg, que desce com um arrepio na nuca.
Mais ou menos os mesmos habitantes ocupam o metro disponível do estacionamento do Jorge ou as duas laterais do bar do Jaime.
As histórias, conversas e propostas também são mais ou menos as mesmas.
Também as desgraças, contadas com tom de cochicho ou de escândalo de manchete.
Ou as maldosas insinuações sobre as brasileiras que trabalham, de calças compridas ou vestidinhos colados, neste território. O cardápio também é o mesmo.
Vez ou outra, o Jorge corre provar a dobradinha do Jaime.
Por sua vez, o
Jaime descamba o paladar para as sardinhas fritas de Jorge.
Pra lá e pra cá, os dois não disputam, ajudam-se.
Engraçados.
Engraçados nada, eles desmoralizam os dentes da máquina capitalista.
Bonito o Jorge e o Jaime vivendo ali, na colméia do Centro Comercial, no coração de Londrina, alimentando famílias do lucro dos seus botecos, cara a cara.
Sem rancores. E poucas diferenças.
Ah sim, uma diferença que os aparta irremediavelmente: o Jaime, português, torce o bigode para a Portuguesa, com certeza. E o Jorge, nissei, não abre mão do Palmeiras. São diferentes.
Nilson Monteiro, iondrinense, êjornalista e escritor

sábado, 2 de abril de 2016

300 e tantas Historias do Paraná, Brasil.

300 e tantas Historias do Paraná, Brasil.

Em 1993, aos trezentos dias que antecediam o aniversário da Cidade de Curitiba, o Jornal Gazeta do Povo
iniciou a publicação de uma série de contos históricos chamados 300 histórias de Curitiba.
Trata-se de obras de autores independentes que formam reunidas e preservadas neste material.
São pequenos escritos que contam um pouco da história e da cultura da cidade de Curitiba Paraná Brasil.
Com o sucesso dessa publicação deu-se a publicação das 300 e tantas histórias do Paraná seguindo o mesmo molde.
Neste site reunimos as obras desses diversos autores paranaenses que contam um pouco da história do Paraná, Brasil.


sexta-feira, 1 de abril de 2016

Storie di Paraná - la Cappella di Bom Jesus

Storie di Paraná - la Cappella di Bom Jesus
La cappella di Bom Jesus
de Freitas Astrogildo
La città di Palma, questo Stato, la cui precoce data di regolamento del secondo decennio del XIX secolo, era a quel tempo completamente coinvolto nel costruzione di una chiesa parrocchiale, al fine di effettuare e completare il trasferimento nella nuova sede, la Parrocchia parrocchia di formichiere, già in piena decadenza, a causa della consegna di quella cappella per la congregazione dei frati carmelitani, che si è dichiarato e ottenuto loro possesso.
causa del prolungamento della navata del maestoso tempio che si stava costruendo, copre gran parte della piazza, arrivando al cimitero esiste, creato la necessità di uno spostamento in un'altra posizione.
Ovviamente, questo necrópo-le era lontano dalla chiesa di "produzione", un termine usato per descrivere una costruzione di grandi proporzioni, ci è arrivata la necessità di una cappella ad essere officiata atti funebri imposti dalla tradizione, usanças e riti cattolici.
La Cappella del Buon Signore Gesù, il cui edificio termine è del 2 dicembre 1836, è stata costruita a spese di quattro o cinque residenti desiderosi di avere i loro corpi sepolti in una chiesa cattolica di tradizione secolare.
Santuario situato nella piazza
Getúlio Vargas, ma con la parte anteriore si affaccia sulla strada Jesuino Marcondes, faceva parte di un trio di cappelle allora prevalenti nella località.
Entrambi erano gli altri componenti dello Spirito Santo, il giudice capito le strade e Padre Pedro Ferreira Camargo in struttura pineta e hanno da tempo spento.
L'altra, di San Benedetto, zitto ci ha detto ruajesuíno Marcondes.
Tale pregato, costruita di mattoni senza malta, non poteva resistere alle intemperie ed è stata distrutta da una tempesta, vento forte e violento, lasciando in piedi solo una parte del muro fondi in cui il santo votive.
In assenza di condizioni monetarie per la borsa di studio, che è già basso, di ricostruirlo, l'opzione adottata è stato quello di effettuare la continuazione della strada, oggi una delle aree più importanti della città.
Tornando alla cappella di Bom Jesus, possiamo dire che è stato costruito non solo per i funerali e sepolture futuri, ma anche e soprattutto per ospitare la tomba del tenente José Manoel de Araújo, fondatore della città e sepolto nel 1825.
La costruzione del piano ha fatto un po 'sopra la lapide della tomba, ha permesso il tuo alloggio all'interno della cappella.
laterale alla parete di questa cappella, al di fuori, era la tomba di José de Paula e Silva, il figlio del barone Ibicuí che essere suicida non è stato permesso alla sua sepoltura nel cimitero laico.
Successivamente, con il turno di notte per la via Concezione laica, ora la strada che richiedeva Stato meridionale,
si è presentato nella cappella, prese per la nuova posizione che cosa ci è stato lasciato di tradizioni e calore.
Astrogildo de Freitas, un membro del Centro delle Arti di Paraná