domingo, 30 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - Tirintintin

Histórias do Paraná - Tirintintin

Tirintintin
Francisco Brito de Lacerda

A mulher do médico, depois de dar um banho no filho de cinco anos, botou nele a roupinha de marinheiro.
Bem penteado, cheiroso, o menino ficou na soleira da porta do consultório, sentadinho. A fim de que se mantivesse quieto, esperando o pai, ocupado no hospital, deu-lhe a mãe um pirulito vermelho.
- Segure só no pauzinho.
Cuidado pra não se melar. A mãe vai terminar um doce bem gostoso...
Mesmo sendo de esquina a casa, não carecia vigiar a criança.
Se surgisse um barulho diferente, bastava pôr a cabeça para fora.
Na tarde modorrenta, afora três fordinhos, os únicos da cidade, só poderiam passar a carroça de lenha, quem sabe a gaiota do Filipão. E raros transeuntes. A Tila, cesta na mão, indo à padaria. A Tila, de volta, trazendo pão de trança, especial, e meio quilo de bolacha preta.
O silêncio permitia ouvir o roçagar das folhas secas, arrastadas pelo vento, o martelar de uma araponga, o sino da capelinha...
Se aparecesse um aeroplano, vôo rasante, dona Maria Cândida ia jurar que tinha visto os dentes do aviador, lindos.
Um discurso do Murbach, na praça, desafiando a estátua do general Carneiro para um duelo, não tirava a sonolência da cidade. O circo, esse sim, punha a Lapa fora de sério; só de pensar no trapezista, magnífico na sua roupa colante, as moças ficavam atiçadas, rindo sem motivo.
Na moleza daquele sábado (não havia circo nem avião), um beija-flor bem louquinho, empolgado com a esplendorosa primavera, entrara no quarto pela janela erguida.
Batia-se o bichinho contra o lavatório, na maior farra, cismático com o outro beija-flor que o espelho mostrava.
Um ruído trouxe a mãe à janela.
Alguém conversava lá fora.
Perplexa, ela nunca mais esqueceu a cena.
Sentado no mesmo degrau, Jorge Louco chupava pirulito de mano com o menino; segurando a guloseima, dirigia a chupança, beiços brilhantes de tanta baba açucarada. O guri ficava aguardando a vez, fazendo bicos, que nem filhote de tico-tico, à espera daquela coisa quente, gostosa...Bem na hora em que a mãe pulou a janela (queria evitar que o pirulito voltasse à criança), Jorge nem precisou insistir. O menino tinha a boquinha aberta, e por ela o beócio introduziu a doçura até a metade...

Francisco Brito de Lacerda, advogado

sábado, 29 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - Bateu Levou!

Histórias do Paraná - Bateu Levou!

Bateu Levou!!!
Olavo Alberto de Carvalho

Não é privilégio de Curitiba ter um prefeito gordo, lépido e, sempre, bem humorado.
Ponta Grossa o teve muito antes e, com certeza, levou vantagem no que toca à massa dos edis:
Victor Antônio Baptista, que governou Ponta Grossa no quatriênio 1924/28, pesava cento e sessenta e cinco quilos mas não se dava conta dessa carga.
Movia-se leve como uma pena, apressado e com postura, gestos, entonação e intensidade de voz de um gaúcho campeiro.
Guiava, na "vertiginosa" velocidade de uns vinte quilômetros horários, um fordeco modelo 1922 (daqueles de três pedais, sem alavanca e caixa de mudanças), identificável à distancia pela pronunciada inclinação da carroceria para o lado do motorista, levantando nuvens de poeira pelas ruas, naquela época, em maioria sem pavimentação.
Ponta Grossa, então segunda cidade do Estado, não tinha ainda 40.000 habitantes, e o interior do Paraná acabava, ao norte, em Jacarezinho, e a oeste, penando muito, em Laranjeiras do Sul.
Cascavel e Foz do Iguaçu eram, praticamente, o que hoje chamamos de povoação.
As estradas, poucas, de leito natural e sem conservação. Não havia um metro, sequer, de macadame ou outro qualquer revestimento.
Pouquíssimos automóveis - a maioria Ford - cuja velocidade em terreno plano e sem buracos, a toda força do motor, mal alcançavam sessenta quilômetros por hora. E quando algum maluco conseguia isso, virava notícia e passava a ser olhado com respeito e admiração.
Viagens para quaisquer cidades a beira da linha férrea só de trem.
No interior, viajava-se de carrocinha puxada por dois cavalos ou a cavalo.
Raramente um automóvel se dispunha a enfrentar os buracos, os areais, as íngremes ladeiras (que os Ford só venciam em marcha à ré) e, principalmente, o risco de chuvas nas estradas estreitas e poeirentas ou - pior ainda — argilosas.
Na política, dois partidos se digladiavam para as eleições, feitas a "bico-de-pena", com número reduzido de eleitores (só homens) sujeitos, em geral, à orientação dos coronéis, chefes políticos.
Em 1924 disputavam a prefeitura de Ponta Grossa, pela situação, Victor Antonio Baptista, fazendeiro e delegado de polícia e, pela oposição, Vicente de Castro, comerciante e forte industrial de erva mate.
No entretanto, foram suspensas as eleições em virtude da revolução chefiada por Izidoro Dias Lopes e ao Presidente do Estado, Dr.
Caetano Munhoz da Rocha, coube a tarefa de nomear os prefeitos municipais. Não é necessário ser muito arguto para concluir que, não só a escolha, mas todo o prestigiamento do Governador do Estado recaísse na pessoa do correligionário do Presidente.
Vicente de Castro, após alguns dias da posse do novo prefeito, partiu, amargurado, para Curitiba.
De lá, não suportando a "dor de cotovelo", resolveu ferir o opositor, escarnecendo da sua obesidade.
Passou-lhe o telegrama:
VICTOR BAPTISTA
PONTA GROSSA
Porco gordo vg aqui vg pelo pé vg cinco mil a arroba pt"
O novo prefeito respondeu prontamente:
VICENTE CASTRO CURITIBA
Burro velho vg aqui vg sem cotação pt"

Olavo Alberto de Carvalho, empresário em Ponta Grossa

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - Gravata vermelha

Histórias do Paraná - Gravata vermelha

Gravata vermelha
Sergio A. Leoni

Após 26 dias de heróica resistência, a Lapa rendeu-se.
Entretanto, as garantias de vida e liberdade, consignadas na ata da capitulação assinada a 11 de fevereiro de 1894, não foram respeitadas.
Era grande a sede de sangue, de vingança!
A faca assassina que, de uma ou outra facção em luta, vinha abrindo carótidas desde o Rio Grande do Sul, passou a ser usada também na cidade vencida, em cenas de horripilante matança!
Ironicamente, as primeiras vítimas foram os cidadãos João Prestes e seu compadre João Lourenço que, embora solidários aos maragatos, por portarem muito dinheiro, foram por eles aprisionados e imediatamente degolados, junto a um riacho, na estrada para Rio Ne-gro.
Pelo mesmo motivo, instantes após a capitulação, era também degolado o sargento José Manuel da Silva Coelho, do 17° batalhão de Infantaria, que estava sendo levado preso para Curitiba.
A partir daí o barbarismo passou a imperar, principalmente depois que deixaram a cidade os chefes federalistas mais importantes, como Gumercindo Saraiva, Laurentino Pinto, Piragibe, ficando a praça à mercê da soldadesca maragata, muitos orientais, ávidos de desforra.
A lista de executados, sempre à faca, de combatentes e civis é extensa: Frederico Ganzert, Sebastião José do Couto, João Ferreira Bueno, Antonio Juarez, Ricardo de Lara, Carlos Frederico Ladwing, Otto Raschendorfer, Demétrio Fagundes Teixeira Coelho, Carlos Westphalen, Gabriel Pereira, Vicente Rodrigues Camargo, João José Portes, Antonio Vandoski, Francisco Euzébio de Moura, Luiz Wille, Francisco Rodrigues Franco, João Prestes Cavalheiro, João Lourenço Pimentel, João Bill, Gabriel Manoel Pereira, e outros.
Segundo o Cap.
José Maria Sarmento de Senna, num depoimento escrito em outubro de 1894, foram também executados 35 soldados do batalhão 111° de São Paulo.
O registro da morte mais cruel é a do major José Menandro Barreto, que após combater na Lapa refugiou-se em Curitiba.
Preso por ordem de Cesário Saraiva (notável sanguinário), foi obrigado a abrir a cova que logo lhe serviria de sepultura; cortaram-lhe, ainda em vida, os garrões das pernas, fazendo-o ajoelhar; cortaram-lhe os dedos, os pés, as mãos e, para consumar o tenebroso suplício, cortaram-lhe o pescoço!
Sua mulher, Thereza Barreto, um mês após saber do fim trágico do seu marido, também faleceu.

Sergio A. Leoni, ex-prefeito da Lapa.

"Gravata Vermelha": expressão gaúcha que significa degola.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - O gosto é o regalo da vida

Histórias do Paraná - O gosto é o regalo da vida

O gosto é o regalo da vida
Maria de Fátima S. Moraes

Cidade de Paulo Frontin, transcorria o ano de 1949. Miguel Scaramella recebe de herança um caminhão antigo, marca Ford 1929, que mandou para conserto logo que o recebeu.
De passagem pela oficina mecânica, um senhor, proprietário de açougue em Dorizon, cidade vizinha, descobriu o fordeco e se tomou de amores por ele.
Foi procurar o proprietário, mas Miguel não tinha a mínima intenção de vendê-lo a preço nenhum.
Mas, o comprador foi tão insistente que, para se ver livre Scaramella fez preço: 35 contos de réis, que era uma pequena fortuna naquela época, quase dando para comprar um caminhão novo.
Para sua surpresa, o homem aceitou e o negócio foi fechado na hora.
O novo proprietário, que não sabia dirigir, contratou os serviços de um motorista para aulas práticas durante uma semana inteira, achando que a partir de então estaria apto para o volante.
Chegando a Dorizon, orgulhoso de sua compra, pois bem poucos tinham o privilégio de possuir condução própria naqueles tempos no interior e com a vantagem de poder dirigir ele mesmo, convidou seu compadre, dono de um curtume na cidade, para passear em Ponta Grossa, onde tinha parentes e amigos.
Partiram então, chegando ao destino sem maiores transtornos.
Na volta, o caminhão vazio, o curtumeiro achando um desperdício voltarem sem nada, pediu autorização ao companheiro para adquirir 1.000 kg de couro para serem curtidos em sua pequena indústria.
Efetuada a compra a bom preço, retornaram satisfeitos à estrada rumo à Dorizon.
No entanto, entre Rio Azul e Marechal Mallet existe uma Serra denominada "Tope das Freiras", caminho íngreme e perigoso, mas de passagem obrigatória aos dois viajantes.
O caminhão, que possuía freio mecânico, deveria nas descidas ser auxiliado com as marchas.
Quando chegaram ao "Tope", para iniciar a ladeira, o motorista atrapalhou-se, esquecendo-se de pôr a marcha para auxiliar o freio, o caminhão disparou numa correria louca e poeirenta.
O compadre ao lado, nervoso e com medo, reclama: "O Sr. é muito novo no volante, mas corre bastante!" O condutor do veículo desnorteado, sem saber o que fazer, grita-lhe: - "Corro porque não posso segurar essa porcaria!"
Apavorado, o curtumeiro abre a porta e salta rolando estrada abaixo durante alguns segundos, levan-ta-se então meio zonzo do chão, face toda arranhada, e desanda a correr feito doido atrás do veículo desgovernado que espalhava couro para todos os lados.
Mais ou menos 200 metros adiante, o caminhão tomba perdendo o restante da carga.
O caroneiro pára de chofre, esbaforido diante de tal cena, e constata aliviado que o motorista encontra-se em pé e inteiro, resultando dessa aventura somente danos materiais, graças a Deus!
Como o cidadão era muito bem situado financeiramente não lhe causou espanto o valor do prejuízo, após o conserto ou mesmo a reforma do Ford, continuou fazendo as suas barbeiragens durante muito tempo, felizmente nunca causando vítimas.
Quando obteve sua carteira de habilitação mandou pintar toda a carroceria do caminhão e em letras bem destacadas e graúdas para que todos lessem escreveu: "NÃO DA LUCRO, MAS É DIVERTIDO".

Maria de Fátima S. Moraes, dona de casa na Usina de Foz do Areia

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - O valor de um nome

Histórias do Paraná - O valor de um nome

O valor de um nome
Daniel Weber

Lápela década de 1910, a política era na base de Pica-pau x Maragato, o voto a descoberto na boca da urna.
Diziam os mais antigos que votava até defunto.
Aqui em Campo Largo, os chefes políticos eram o Coronel Cezar Torres e Manoel Afonso Guimarães, conhecido como "Nhô" Manéco Afonso.
Um de seus filhos foi chefe de polícia do Interventor Manoel Ribas.
Naqueles tempos não existia fogão elétrico, muito menos a gás.
Fogão era só na base da lenha picada.
Assim, para suprir a cidade existiam os lenheiros ou cortadores de lenha.
Entre ele, "Nhô" João Serrapau, um ex-escravo.
Esse sobrenome veio, obviamente, de sua profissão.
Sobre um cavalete, ele usava uma serra própria e assim abastecia as donas de casa.
Outro lenheiro era o João Carrinho, nome que lhe deram as donas de casa por ser entregador a domicílio da lenha picada.
Tanto ele como o João Serrapau de vez em quando bebiam algumas doses a mais da "milagrosa" e aí... viravam valentes.
Mas era só a pinga que falava, pois tratava-se de duas pessoas queridas na cidade devido a seus préstimos.
Por aqueles tempos, produzia-se em Campo Largo muita laranja caipira, limão e outras frutas.
Os donos dos laranjais, com suas carrocinhas, vendiam a produção em Curitiba, de porta em porta. "Nhô" João um dia pegou carona com um deles, que saiam da cidade à meia-noite, para no alvorecer já estarem vendendo em Curitiba.
Lá pelas 10 horas, depois de muito apregoar laranjas, "Nho" João entrou num boteco no bairro do Batei e ingeriu meia dúzia de "cangebrina". Daí virou valente Para seu azar, ia passando por ali um soldado da polícia que, diante do alvoroço chamou até reforço, pensando que era um dos violentos valentões da época. "Nhô" João foi levado para a Delegacia.
Naquele tempo o povo não costumava carregar documentos no bolso. O delegado pergunta o nome de "Nhô" João.
Este lembrou-se de seu chefe político e respondeu: "Manoel Afonso Guimarães". Os políticos, quando leram a notícia no jornal vespertino, armaram aquele corre-corre para a Delegacia.
Soltaram imediatamente "Nhô" João, que foi encontrar-se com o vendedor de laranja e trataram de voltar para Campo Largo.
A noticia da prisão de "Manoel Afonso Guimarães" naturalmente chegou nos ouvidos do verdadeiro Manoel Afonso Guimarães.
Levaram até jornal para ele cer-tificar-se.
Quem foi? Descobriram que foi "Nhô" João, imediatamente "convidado" a comparecer na casa do Sr. Guimarães, que prometia castigá-lo.
"Nhô" João compareceu ressabiado.
Mas antes de ser inquirido, foi logo dizendo:
- Sinhozinho, não se apo-quente.
Mecê tem um prestígio tremendo na Capital.
Foi só dize o nome de mecê, fui posto em liberdade imediatamente...
Em lugar do prometido castigo, "Nhô" João recebeu um abraço e uma moeda de prata-patacão, como diziam — o valor de 2$000 (dois mil réis), o que era um bom dinheiro na época.

Daniel Weber, industrial aposentado em Campo Largo

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - Sangue frio e decisão

Histórias do Paraná - Sangue frio e decisão

Sangue frio e decisão
Ayrton Ricardo dos Santos

O conhecimento, sangue frio, rapidez de raciocínio e decisão são atributos que, na medida em que se apresentam, qualificam os médicos.
O Dr. Iseu Costa — a quem devo as pontes de safena que carrego e me prolongam a vida — nos presenteou, a todos, com uma bonita e circunstanciada biografia em excelente edição da Fundação Santos Lima: "Szymon Kossubudzki — patrono do ensino da Cirurgia no Paraná".
Esse notável médico polonês
— conta-nos Iseu - já formado e com 38 anos de idade, emigrou para o Brasil em 1907. Clinicou em São Mateus do Sul, Ponta Grossa e, a partir de 1912, passou a residir em Curitiba.
Inaugurou, em 1916, o ensino cirúrgico na Universidade, regendo a cadeira de Propedêutica Cirúrgica, Prestou relevantes serviços à coletividade, principalmente como médico e professor de medicina, mas, também, como poeta, teatrólogo e jornalista.
Faleceu nesta capital, em 1934, aos 65 anos de idade.
Há uma passagem na vida desse eminente polonês — narrada pelo professor Aluisio França - que vale a pena ser lembrada, a exaltar nele os atributos mencionados.
Certa manhã, depois da habitual visita a seus pacientes, quando deixava a Santa Casa, já na rua, deparou com uma mulher que trazia uma criança no colo e desesperadamente gritava:
- Salvem minha filha!
O médico, ante a criança cianosada, a respirar com extrema dificuldade, não teve dúvidas no diagnóstico que se impunha: laringite diftérica, com obstruções das vias áreas superiores. Não hesitou.
Sacando do bolso um canivete, prontamente incisou a traquéia, de modo a permitir o acesso do ar aos pulmões.
Para assegurar a permeabilidade das vias respiratórias apanhou a ponteira de um lápis — como antigamente se usava — e introduziu a cânula improvisada na ferida operatória... As retificações técnicas e assepsia foram feitas mais tarde, depois que a criança, com respiração assegurada, estava salva.

Ayrton Ricardo dos Santos, médico

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - A lâmpada indulgente

Histórias do Paraná - A lâmpada indulgente

A lâmpada indulgente
Marçal Maciel de Araújo

Foi lá pelos idos de 43-44. Há cinqüenta anos atrás.
Vivíamos em clima de excitação. Lá longe, uma guerra se propagava, e da qual nós participávamos. Tínhamos uma Força Expedicionária lutando na Itália.
Estávamos aqui todos contagiados pelo ardor cívico, embalados pelos hinos patrióticos.
Mas era preciso uma conscientização geral da realidade que a todos contagiava.
Acompanhávamos passo a passo o desenrolar da luta. O radio não cessava de transmitir os seus boletins, dando conta do fragor da luta em todas as frentes de batalha.
Os dias, os meses vão passando, e todos nós vamos assimilando a idéia em potencial, o significado do que está acontecendo no mundo. Nós também estamos comprometidos com esta causa que envolve toda a humanidade.
Acordamos para este momento que vai se precipitando. Já agora estamos amadurecidos e damos o passo a frente.
Por que não? Vamos entrando para a História.
Um povo jovem cheio de energia vai se lançando a luta.
Também nós, aqui em casa, somos convocados, urge que façamos alguma coisa, algo que já está sendo feito lá no teatro da guerra.
Precisamos estar preparados para qualquer surpresa.
As autoridades providenciam e a data é marcada. O plano vai ser executado. A Rádio Clube PRB-2 a posto transmite todo o esquema do serviço. E rápido.
Na hora aprazada a Cidade entra em Black-out completo.
Com recomendação rigorosa, severa, que todas as luzes fossem desligadas. O inimigo sobrevoando a Cidade, na calada da noite, e não podendo vê-la, vai-se embora. — Curitiba há cinqüenta anos atrás era bem menorzinha. A B-2 transmitia todo o programa elaborado pelas autoridades. E quando o nosso prezado locutor Wilson vai em frente, dando todos os detalhes do plano deflagrado, apontando aqui e ali alguns focos de luz inadvertidamente acesos.
Eis que surge no "painel" a lâmpada da Capela do Santíssimo, da Catedral. O ambiente nervoso que dominava aquela noite (histórica) levou o nosso combativo Wilson a reclamar que aquela lâmpada votiva (também) fosse apagada.
Eu morava no prédio ao lado da Catedral, e lá da sacada presenciei este momento. E nesta hora aparece solícito, apressado, o sacristão Isidoro Canestraro, para abater a luz do Santíssimo.
Era necessário a comunhão de todos. E assim, a pequenina lâmpada do Santíssimo, que a tradição religiosa determina sempre ficar acesa, naquela noite se apaga, obediente aos reclamos da locução
Na noite escura como breu, nem mesmo o piscar de um perdido vagalume.

Marçal Maciel de Araújo, aposentado do INSS

domingo, 23 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - Descapitalização de Curitiba

Histórias do Paraná - Descapitalização de Curitiba

Descapitalização de Curitiba
Oney Barbosa Borba

Curitiba está comemorando centenário de sua descapitalização nos dois sentidos, político e financeiro: deixou de ser capital do Paraná e seu Tesouro ficou vazio.
Os "maragatos" tendo seu quartel-general no Desterro, depois de muitas escaramuças e entreveros, invadiram o Paraná pelo litoral e pelo interior, objetivando ocupar pontos estratégicos, com mais recursos para avançar sobre São Paulo, cuja população não morria de amores para com a ditadura florianista.
Nós paranaenses éramos, então, ligados às atividades dos comerciantes ervateiros, dos industriais madeireiros, dos tropeiros pecuaristas e politicamente divididos quase ao meio, entre "pica-paus" e "maragatos". O povão, sem liderança própria, titubeava entre os dois campos. O funcionalismo público, classe mais esclarecida, estava dividido: a maioria acomodatícia, sempre ao lado da situação, apoiando o emprego, isto é, o governo; alguns poucos, reclamadores contumazes, timidamente torcendo pelos revolucionários.
Em janeiro de 1894, os revolucionários enfrentavam resistência oposta na Lapa, mas com a queda em suas mãos das cidades de Paranaguá, Antonina, Morretes e rendição dos governistas, após a morte do Gal.
Carneiro, o comandante do 5o Distrito, Gel. Pêgo Junior, apavorou-se, e com ele o vice-presidente em exercício Dr. Vicente Machado.
Este tratou logo de assinar o decreto transferindo a capital para Castro. O decreto é de 18 de janeiro. O Dr. Vicente quis seguir os feitos do decreto, fugindo para Castro. O general ponderou-lhe que a cidade de Castro já estava nas mãos revolucionárias.
Gumercindo Saraiva, comandante dos revolucionários, tomou Curitiba sem combate. A cidade estava desgovernada.
Ele impôs o empréstimo de guerra para toda a região ocupada.
Organizaram-se comissões para arrecadar dinheiro.
Da comissão central fizeram parte o Barão do Cerro Azul e mais duas dezenas de notáveis curitibanos, gente bem posta na sociedade.
Comissão numerosa de pessoas mas mixada de recursos. Não chegou a arrecadar mais do que 300 contos de réis.
Realmente, Curitiba era uma cidade financeiramente descapitalizada.
Os curitibanos estavam empobrecidos.
Com a ordem de retirada dos revolucionários do território paranaense, o exército restaurador se mexeu de Itararé para alcançar a cidade de Castro.
Na altura da Cruz das Almas a vanguarda deu uns tiros que atingiram a torre da igreja, como que avisando sua aproximação. Aí os membros da câmara revolucionária tiveram tempo para debandar. O exército tomou a cidade assustada.
Com ele veio o castrense Dr. Vicente Machado que oficialmente instalou a capital do estado, em 12 de abril de 1894, cumprindo, assim, o decreto n° 24, de 18 de janeiro do mesmo ano. O governo constitucional, custodiado pelo exército florianista, nada fez civilmente; mi-litarmente, no entanto, alcançou alguns retirantes que fugiam para Guarapuava, ocasião em que o ferreiro Max Flugel foi degolado, o mesmo acontecendo com o juiz nomeado para Guarapuava, o Dr. Francisco Peixoto Lacerda Werneck.
Curitiba voltou a ser capital quando a tropa sob o comando do Cel.
Fermino Pires Ferreira entrou na cidade, abandonada pelos revolucionários.
Então, o Dr. Vicente Machado assinou o decreto n° 25, em 29 de abril, revogando o decreto n° 24, restabelecendo a capital novamente em Curitiba.

Oney Barbosa Borba, escritor, residente em Castro

sábado, 22 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - Estrangeirices

Histórias do Paraná - Estrangeirices

Estrangeirices
Orlando Strobel

Não era fácil a vida de imigrantes europeus que vinham tentar a vida no Brasil do século passado.
Que o diga meu antepassado Christian August Strobel.
Ele chegou em novembro de 1854, com a esposa grávida e três filhos pequenos. A viagem durou seis semanas, tendo havido 36 mortes a bordo do veleiro Florentin — seis mortes por semana quase uma por dia.
Ao chegar na Colônia Dona Francisca (Joinville), Christian ficou desolado com o que viu, razão pela qual resolveu subir ao planalto paranaense.
Fez a jornada de 14 dias a pé, via litoral, junto com seu amigo Weigang, tendo chegado em Curitiba em princípios de 1855.
Uma noite, na trilha do Itupava, no pé da serra, os dois viajantes chegaram a uma choupana de onde se ouvia um forte barulho.
Lembrava o malhar de cereais quando o mesmo era descascado.
Quando se aproximaram da moradia, constataram trata-se de uma dança chamada "fandango". O dono da casa recebeu-os com uma refeição e convidou-os para participar da dança.
Dança, aquilo? Os dois nunca tinham visto, até então, este modo de dançar.
Na realidade, pelos padrões europeus, aquilo não era uma dança e sim um bater com os pés no chão.
A música, uma moda monótona cantada por um ou dois tocadores de violão.
Nesta viagem tiveram também a primeira oportunidade de provar o chá brasileiro — a erva mate.
Um dia, um caboclo ofereceu-lhes chimarrão.
Como já estava anoitecendo e a claridade era pouca, o Weigang, não podendo distinguir o que havia dentro da cuia e julgando tratar-se de uma sopa, mexia com a bombilha no conteúdo e se servia.
Christian indagou o que era e ele respondeu, entre um engasgo e outro: "Eu não sei, mas esta ‘colher’ é que eu não sei manejar!" Logo o dono da casa voltou e por meio de gestos mostrou que, em vez de tomar, devia-se chupar pelo canudo a infusão.
Depois desta explicação, o mate agradou muito aos dois.
Após conseguir ocupação como carpinteiro em Curitiba, Christian mandou vir a família, que veio a pé e em lombo de burro, subindo por São Bento, numa viagem de muitos dias.
Próximo a Ambrósios, foram recebidos por uma família cabocla.
Ao partir, na manhã seguinte, a senhora trouxe um prato cheio de bolinhos de farinha de milho, dando a entender que eram um presente para as crianças.
Christinne apanhou com umas das mãos um bolinho, provou e apontando-o com a outra mão perguntou: "Mais? Mais?" E em alemão, a palavra milho escreve-se e fala-se "MAIS" (maisena). Naturalmente, a dona da casa trouxe outra porção.
Christinne aceitou e perguntou novamente: "Mais? Mais?" A dona da casa riu, e veio com uma terceira porção de bolos, a qual Christinne só aceitou depois de muita insistência.
As duas ficaram se olhando por algum tempo e em seguida despedi-ram-se.
Ambas devem ter percebido que teria havido algum mal entendido.
Mas qual?

Orlando Sírobel é engenheiro Civil, texto baseado em memórias de Gustav Hermann Strobel, avô do autor

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - Falta alguém no Panteon

Histórias do Paraná - Falta alguém no Panteon

Falta alguém no Panteon
Túlio Vargas

Ao contrário do Panteon dos Heróis, levantado na Lapa, cujos nomes estão registrados perpetuamente, houve outras figuras intimoratas durante a invasão federalista, cujos feitos audazes ficaram no esquecimento.
Quando em janeiro de 1894 as tropas de Gumercindo Saraiva iniciaram o cerco ao povoado de Tijucas do Sul, o comandante da praça coronel Ismael Lago, determinou a retirada das mulheres dos soldados.
Estas resistiram à ordem, propondo-se a lavar roupa e prestar outros serviços domésticos.
Foi em vão. O chefe militar proibiu a presença delas no acampamento, mandando-as para Curitiba.
Uma exceção fora feita em favor da mulher de um sargento do 5o Batalhão de Engenharia.
Nas suas memórias de Revolução, Cândido Muricy descreve que ela "era uma mulata forte, de notável atividade, guiava uma carrocinha de duas rodas puxadas por um burro grande e que, por isso, era empregada na condução de coisas do hospital.
Todos a conheciam por Maria, a "Cantineira". A princípio ocupava-se, também, da lavagem de roupas de algumas oficiais.
Depois tornou-se a melhor e a mais solícita enfermeira que podíamos desejar.
Mulher decidida que, mais tarde, durante os terríveis combates, de revólver em punho, desafiando as balas inimigas, ajudou a socorrer os feridos e a conduzi-los da linha de frente para o hospital de sangue, onde várias vezes auxiliou os médicos nos curativos, preenchendo, também, espontaneamente a função de cozinheira dos doentes."
Muricy lembra ainda que foi ela a primeira a dar o alarme da aproximação da vanguarda revolucionária, atentos aos mínimos movimentos que se processavam na mataria das baixadas.
Veio gritando, espavorida: "Esta aí o inimigo! Preparem-se! Já estão brigando com a guarda que vem fugindo..." O tiroteio crescia e os primeiros sinais do ataque prenunciava a tempestade bélica.
"A violência da arremetida indicava a certeza que o inimigo tinha da vitória." Maria não se atemorizou como o volume das hostilidades.
Dividia-se na atenção e nos cuidados aos feridos que tombavam sob a fuzilaria. E, quando podia, municiava nas linhas de frente as posições de defesa. A desproporção entre as forças rebeldes e legais, aquelas em maioria esmagadora, demonstrava a inutilidade da resistência.
No dia 19 de janeiro deu-se a capitulação, quando Curitiba e Paranaguá já se encontravam em poder dos federalistas.
Nada mais se escreveu sobre a Maria "Cantineira". Não se sabe se sobreviveu à feroz batalha.
Que fim levou? Não recebeu condecorações, nem o reconhecimento de um registro nos boletins militares.
Mistura de Maria Quitéria, Ana Néri e Anita Garibaldi, ela faz parte daquela legião de desconhecidos que fazem a história no anonimato, sem esperar recompensa.
Sua proeza merece uma investigação mais profunda dos estudiosos da Revolução para que se lhe resgate a memória e se pratique justiça ao seu heroísmo, como anjo tutelar que foi.

Túlio Vargas, ex-deputado e membro da Academia Paranaense de Letras

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - Um mineiro paranaense

Histórias do Paraná - Um mineiro paranaense

Um mineiro paranaense
Maria do Carmo R. Krieger Goulart

"Mineiro bom foi feito para exportação; sófica em casa quem tem defeito de fabricação". Não fosse dita por um legítimo filho das Minas Gerais, essa frase poderia parecer ofensiva.
Na boca de um mineiro que passou a maior parte de sua vida no Paraná, e que gostava da conversa descontraída, das frases de humor e de contar "causos", ela tinha um sabor especial.
Quase cinco anos depois de sua morte (em 18.05.89), o mineiro em questão é homenageado pelo Governo do Estado, Roberto Requião, e pelo Secretário da Saúde, Nizan Almeida Pereira: o Hospital Geral do Portão passa a chamar-se Hospital Mauro Senna Goulart.
Curiosos os caminhos da vida.
Ao chegar a Curitiba, em 1949, não foi recebido por médicos, enfermeiros ou doentes, embora viesse a passar longos quarenta anos como laboratorista do Sanatório Portão.
Em sua mala não havia fórmulas químicas ou tubos para exames.
Havia, sim, chuteiras e camisas dos três últimos times de futebol que havia defendido: Vasco da Gama, do Rio de Janeiro, Grêmio Football Portoalegrense, de Porto Alegre, e Clube Atlético Mineiro, de Belo Horizonte.
Quem o esperava eram os dirigentes do Clube Atlético Paranaense, que o haviam contratado e que depositavam muita esperança em suas pernas.
Se a esperança era muita, o salário era modesto, já que a palavra mordomia era desconhecida do linguajar da época e inexistia como prática nos times de futebol. A rigor, nem se poderia dizer que o futebol era profissional.
Jogava-se por puro prazer e o negócio era completar a renda pessoal com alguma profissão. Aí sim, havia algum privilégio: o jogador que conquistasse a torcida não teria muita dificuldade em encontrar um emprego. E lá se foi o Mauro, com 28 anos de idade e com a cabeça voltada para o futebol, trabalhar num laboratório cuja especialidade maior era verificar e acompanhar os casos de tuberculose.
Foi, gostou e envolveu-se com entusiasmo nesse trabalho meticuloso e exigente.
Prova de sua dedicação foi a declaração, dada alguns anos depois, pelo chefe do Serviço de Pessoal do Departamento de Administração da Secretaria de Saúde Pública, Elianor Muricy: trata-se de "um excelente funcionário, com ótimo acervo de serviços prestados". Um outro depoimento poderia ter sido dado pelas turmas de alunos da cadeira de Tisiologia da então Faculdade de Medicina da
Universidade do Paraná: Seu Mauro os introduzia nos segredos do Laboratório e a admiração que tinham por seus conhecimentos não impedia que crescesse entre eles uma grande amizade. E quantos amigos fez entre funcionários, médicos, alunos e pacientes ao longo de sua vida!
As lembranças de sua infância na cidade natal — Lavras — ficavam cada vez mais longe.
Seu mundo — melhor, sua paixão! — agora era Curitiba.
Sua certidão de nascimento garantia que era mineiro — e isso lhe dava autoridade para brincar: ‘Mineiro bomfoi feito para exportação... " Se houvesse uma certidão especial do seu coração, todos saberiam: seu Mauro era paranaense. E se alguém duvidar, passe agora pelo Portão: lá está o Hospital Geral Mauro Senna Goulart.
Justa homenagem a quem muito amou esta terra e sua gente.

Maria do Carmo K Krieger Goulart, historiadora e escritora

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - Violeta

Histórias do Paraná - Violeta

Violeta
Arthur Virmond de Supplicy de Lacerda

Violeta Amaral foi uma das figuras mais queridas de minha infância.
Curitibana de antiga cepa, foi Violeta abandonada no altar doméstico pelo noivo, rapaz abastado de sobrenome Cerjat, porque seu genitor ameaçou deserdá-lo se a des-posasse, ela filha de um simples dentista, profissão pouco enriquecedora porém nada desonrosa.
Envergonhado com a desdita da filha, o pai de Violeta, José Gomes do Amaral Júnior (filho de um médico maragato durante o cerco da Lapa), preferiu evitar o ambiente em que se tornara o fato notório, radicando-se em São Paulo, capital.
Residindo já naquela cidade, um acaso viria alterar o perfil biográfico de Violeta, enriquecendo-o com o primeiro matrimônio que contraiu: certa feita acudiu ela um menino, ferido levemente em atropelamento por automóvel ou bicicleta.
Sensibilizado, o pai da criança foi agradecer-lhe a solicitude.
Do relacionamento assim inaugurado resultou pouco depois Violeta passar a chamar-se Violeta do Amaral Pereira, mais moça que o marido cerca de duas décadas.
Delegado de Polícia de Santos, e Chefe de Polícia do Estado de São Paulo, João Clímaco Pereira, o marido, era viúvo, condição em que deixou sua esposa oito ou dez anos depois.
Ora, antes do frustrado noivado, fora Violeta namorada daquele que por ela se havendo encantado uma vez, jamais dela se esqueceu, mesmo durante seu efêmero consórcio.
O enamorado era filho de um lapeano picapau, cônsul honorário da Espanha em 1922 e hervateiro abastado, Joaquim da Silva Sampaio.
Chamava-se ele Edgard Chalbaud Sampaio.
Era tal a paixão de Edgard por Violeta que, quando a perdeu para seu rival paulista, desarvorou-se da vida.
Entregou-se a uma abundante melancolia, a roupa em desalinho, o cabelo por cortar, a barba por fazer, vagando pelas ruas da cidade.
Inapetente, evitava comer e beber e fumava muito.
Inesperado e surpreendente, sorriu-lhe o destino, oferecendo-lhe uma possibilidade com o óbito de João Clímaco.
Edgar reanimou-se.
Durante o primeiro ano de luto de Violeta, acalentou a esperança.
Vencido o interregno fúnebre, telefonou de Curitiba a Violeta a São Paulo, solicitando permissão para visitá-la.
Ao reencontrarem-se, avivou-se no coração de ambos o amor que em
Edgar jamais arrefecera e que em Violeta representou a base da felicidade de ambos de então por diante.
Pouco depois podia Edgard ufanar-se de ser um homem afortunado.
Recuperara seu amor pela vida, que novamente fazia-lhe sentido.
Violeta chamava-se, então, Violeta do Amaral Sampaio.
Habitaram várias casas, por derradeiro o número 2452 da Rua Brigadeiro Franco, onde conheci a biblioteca invejável de Edgard.
E depois? Depois Violeta perdeu Edgard em 1984. Novamente viúva, pranteava desolada o marido saudoso, homenagem dolorosa de quem o mantinha vivo em seu coração e em sua memória — afinal, os dois únicos lugares nos quais podemos aspirar à eternidade são o coração e a memória de quantos nos sobrevivem.
Finalmente, em 1991, entre perplexo e surpreso, soube que Violeta expirara deixando-nos viúvos de sua imensa bondade a quantos a conhecemos como Violeta e como esposa de Edgard...

Arthur Virmond de Supplicy de Lacerda, presidente do Centro Positivista do Paraná

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - A Lapa na Guerra do Paraguai

Histórias do Paraná - A Lapa na Guerra do Paraguai

A Lapa na Guerra do Paraguai
Sergio A Leoni

Para combater as forças de Solano Lopes, o Paraná que tinha então menos de 70.000 habitantes foi, proporcionalmente à sua população, a província que mais contribuiu com mais sangue àquele conflito, com um total de aproximadamente 2.500 homens, dos quais 16% eram lapeanos.
O decreto de criação do Voluntariado da Pátria (n° 3371, de 7 de janeiro de 1865) é lido na então Villa do Príncipe com extrema solenidade já no dia 9 de fevereiro, no Largo da Matriz, na presença do povo e do comandante da Guarda Nacional, Cel.
David dos Santos Pacheco, depois Barão dos Campos Gerais.
O primeiro corpo que foi para a guerra era formado de elementos vindos de toda a província; o segundo só de Curitiba e o terceiro apenas com Lapeanos, que deixaram sua terra natal a 17 de abril de 1865.
Para incentivar o alistamento, foi aberta uma subscrição popular, que visava dar uma gratificação de vinte mil réis (ouro) a cada conscri-to.
David dos Santos Pacheco assumiu, às suas expensas, o treinamento e uniformização de 150 voluntários, que foram por ele próprio levados até Curitiba.
Jesuíno Marcondes de Oliveira e Sá, paranaense de Palmeira, e então Ministro da Agricultura, da Corte aplaude sua província natal dizendo: "Folgo em declarar que, graças ao civismo dos paranaenses, já desembarcou na Corte a primeira força organizada em Curitiba". Logo em seguida, aplaude expressamente a Lapa com as seguintes palavras: "A Guarda Nacional da Lapa vai brilhando, e esse bom povo do Príncipe dá provas de patriotismo.
Segundo sua população e riqueza, o Paraná não está mal representado... o patriotismo está fazendo milagres."
Entre voluntários e designados, a Villa do Príncipe mandou para o Paraguai 412 combatentes, dos quais apenas 73 regressaram perfeitos.
David Carneiro, em sua obra publicada em 1940 "O Paraná na Guerra do Paraguai", relaciona 81 voluntários lapeanos, aparecendo com destaque o major Geraldo Antônio Diniz e ainda Manoel Pereira do Nascimento e Manoel dos Santos Pacheco Lima, estes citados no quadro de Mártires da Pátria.
A lista de nomes obtidos por aquele eminente historiador, através do jornal "19 de Dezembro" da época, mesmo incompleta, será gravada em monumento que a cidade da Lapa erigirá oportunamente, em homenagem àqueles heróis.
Servirá de estímulo para que as gerações presentes e vindouras de lapeanos e lapeanistas cultuem sempre as tradições da cidade legendária, "orgulho e glória do Brasil republicano".

Sérgio A Leoni, ex-prefeito da Lapa

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - Jovem estrela

Histórias do Paraná - Jovem estrela

Jovem estrela
Beatriz de Quadros Ribas

Eram os dias da Revolução de 1930. Nas ruas fervilhavam as noticias mais contraditórias.
Combates. Movimentos de tropas.
Trens que chegavam e partiam.
Mentiras e verdades se misturavam como uma só. A cidade fervia e os grupos se formavam nas esquinas da Rua XV de Novembro para comentar as últimas notícias. À noite iria haver um comício.
Das sacadas da Gazeta do Povo localizada então na Rua XV de Novembro, oradores de primeira linha usariam a palavra.
Antes, bem antes da hora marcada, já foram chegando os grupos interessados.
Eu, sempre companheira, lá fui de braço com meu pai Sócrates Scharfemberg de Quadros, para ouvir a declamação de uma jovem que residia em frente à nossa casa. A jovem encerraria o comício.
A rua estava apinhada de povo.
Ficamos em frente à sacada onde apareceriam os oradores.
Na Rua XV de Novembro, depois da Monsenhor Celso, ninguém conseguia passar.
Os oradores se sucederam.
De seus nomes não me recordo.
Eu estava lá para ouvir a declamação.
Terminada a oratória, um pequeno silêncio se fez.
Logo surgiu uma jovem clara de cabelos aloirados, risonha e de mediana estatura.
Sua imagem cativava.
Inicia sua declamação da sacada da Gazeta do Povo, e a faz com tanto sentimento e ardor que, ao terminar, o povo ficou em silêncio, emocionado.
Depois, as palmas, muitas palmas, e o povo; "Bravo! Bravo!"
Era Stelinha Egg, que aos 14 anos emocionava a platéia na Rua XV de Novembro, declamando "O beijo de papai", do poeta Eustórgio Wanderley.
Naquela noite, uma estrela brilhou nos céus de Curitiba.
Começaram os convites, as apresentações.
Stelinha Egg, sempre graciosa e sorridente, a vizinha de frente à nossa casa, se tornou no Rio de Janeiro cantora e declamadora de sucesso, uma brilhante estrela nacional.

Beatriz de Quadros Ribas, professora aposentada e membro do Centro Paranaense Feminino de Cultura.

domingo, 16 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - O operário em construção - Poty

Histórias do Paraná - O operário em construção - Poty

O operário em construção - Poty
Valênáo Xavier

Os documentos que serviram de base para estas histórias encontram-se no Arquivo Público do Paraná.
A pesquisa foi feita pela historiadora Walkiria Pereira Romeu.
Hoje, 29 do três, áries, de não sei que ano, Curitiba faz aniversário, a Catedral também comemora alguma coisa, não é dia de Santo Antônio, é dia do aniversário do Poty: 70 anos, número cabalístico.
Ou será que é 7?
Ele está lá no alto sentado na tábua do andaime da Catedral em obras, suas pernas balançam no vazio.
O czar Ivan, o Terrível ocupou o trono ainda menino e seus pés também não alcançavam o chão, ficaram balangando.
Ele está sentado lá no alto, comendo um sanduíche de pão branco de casca dura com mortadela.
Napoleão Bonaparte que também era baixinho foi mais esperto: mandou fazer as pernas do trono mais curtas.
Ele está na hora do almoço da cesta de vime de onde pegou o pão e mortadela, a botelha de vinho.
Ou é café?
Santo Antônio de Lisboa que é o mesmo de Pádua também ficava no alto duma árvore pregando, pernas balançando.
Ele tem as mãos calejadas de calos ou da cal da construção da Catedral?
O Corcunda de Notre Dame montado na gárgula da Catedral, pés no ar, gritava: Santuário! Aqui ninguém me pega.
Ele sentado na tábua não olha prá baixo, dá tontura, inda mais na hora da comida, olha prá cima, pro céu.
O Harold Loyd lá no alto pendurado no ponteiro do relógio do arranha-céu não olha as horas.
Ele tem pendurado no teto do atelier um velocípede do menino que não sabia pedalar, empurrava com os pés.
O John Wayne galopando na pradaria também balançava as pernas no ar, igual os enforcados de Ox-Bow.
Ele, o menino sentado no vaso trono do banheiro não alcançava os pés no chão.
Melhor fazer cocô no bispote.
A esmeralda do Corcunda não é a da Tábua da Esmeralda: a do o que está em áma é igual o que está embaixo.
Ele sentado lá em cima, comendo, não olha pra baixo, olha pro céu e vê o que está embaixo.
O Leonardo da Vinci sentado no andaime da Santa Ceia ficava pensando que nem o Zequinha sentado na Lua?
Ele, o operário em construção, vê o Zepelin do seu tempo de menino.
Pensa em Curitiba.
Em um paredão na esquina da XV com Marechal tem o painel do Poty de um operário italiano da Catedral.
Era uma vez, era o aniversário do Poty. Não.
Acho que era Natal.
Isso mesmo, era Natal.
Naquele tempo criança tinha medo de Papai Noel, pergunte aos mais velhos, de medo se escondiam debaixo da mesa. Só iam pegar o presente depois que o Bom Velhinho ia embora.
De família humilde, Poty não esperava ganhar grande coisa: ganhou o melhor presente: um triciclo.
Um menino feliz pro resto da vida.
E hoje dia do aniversário desse menino, de Curitiba.
Ele deu tanta coisa boa de presente prá cidade que eu moro e amo.
Tanta coisa boa para você que nem mora aqui, e talvez nem conheça.
Eu tô dando de presente pro Poty este escrito que nem sei se ele vai gostar. E o que posso dar. Não repare, tá.
E você? Já escolheu o presente que vai dar pro Poty? Pra cidade que você ama?

Valêncio Xavier, escritor, diretor de TV e poeta

sábado, 15 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - Histórias de escravos

Histórias do Paraná - Histórias de escravos

Histórias de escravos
Luiz Romaguera Netto

I - Histórias de escravos

Na Europa, até o ano de 1800, existiu a Santa Inquisição, que deixou medo, desconfiança e causou muitos problemas entre toda a população.
Aqui no Brasil, poucos sabem que ela existiu e fez inúmeras acusações resultando em condenações as mais variadas, quase todas entre os escravos, tendo-se estendido até o ano de 1821.
Um desses Autos da Inquisição, o primeiro aqui em Curitiba, no ano de 1798, foi o de Brígida, escrava recém liberta por testamento do seu senhor. Já sexagenária, vivia de favores e, procurando o que fazer, especializou-se em ervas.
Algum usuário não contente com os resultados, denunciou-a anonimamente, como bruxa.
Os Autos da Inquisição correram e, apesar do pedido de perdão dos filhos do seu senhor, foi condenada à prisão perpétua (faltaram provas para inocentá-ia).
Insistiram e, em um segundo processo de pedido de perdão, conseguiram provar sua inocência, sendo absolvida. O curioso é que, por ser pobre demais e já velhinha, não foi libertada, ficando na prisão até sua morte.

II - Deixando de lado a Inquisição, contam-nos as histórias mais antigas o que se passou com uma outra escrava — Ignácia.
Tinha ela se casado com um pardo livre em Santa Catarina.
Quando seu senhor tomou conhecimento de que estava grávida, negou sua venda ao marido, coisa que já estava acertada.
Não se conformando com o acontecido, ela foge sozinha, tendo sua criança no mato.
Necessitando de recursos, vem morar perto de Curitiba.
Os anos se passaram.
Quando a criança já estava com 5 anos, foi descoberta.
Na iminência da prisão, voltou para o cativeiro. Não se conformando, estrangula seu filhi-nho com as próprias mãos, para não vê-lo escravo.
A população considerou seu crime bárbaro, não permitindo que fosse entregue ao seu senhor.
Responde ao processo crime, sendo condenada à morte.
Sua execução deu-se no ano de 1871, no paço municipal, por decapitação a machado. O corpo, depois de envolvido em trapos, foi jogado na correnteza do rio.
Como na cadeia pública não tinha nenhum preso condenado, Joaquim, seu carrasco, teve que ser trazido de São Paulo.
Os custos da execução ficaram em 10$800, assim distribuídos: 6$000 para os soldados e 4$800 para o carrasco.

III - Antônio, um escravo agressivo e brigão, avança sobre seu senhor, Joaquim Ferreira, na Villa de Antonina, deixando-o desacordado.
Em seguida, agride sua patroa, respeitando-a por ser mulher casada.
Entretanto, não procede do mesmo modo com as duas filhas do casal, violentando-as.
Uma escrava, ama das meninas, também é violentada, culminando por matá-la.
Os empregados acodem e, junto com o capataz, salvam as meninas que estavam à beira da morte.
Levado a julgamento, é condenado, aqui em Curitiba, a pena galés perpétua, o que significa que teria de viver toda a sua vida acorrentado em um navio remando.
Nunca mais veria a luz do sol.
Inconformado com a sentença, solicitou um novo julgamento, tendo ficado na prisão, como algoz dos outros condenados. O juiz ordinário, Alferes João Baptista Cardozo Paz, da Ouvidoria Geral e Correição de Comarcas de São Paulo (Curitiba e Paranaguá), aceita o seu pedido e muda a pena do condenado de galés
perpétua para a pena de morte.
Imediatamente re-recorreu, se assim pode-se dizer, pedindo para ficar com a pena anterior.
O titular da já então 5a Comarca de São Paulo (Curitiba) envia um novo pedido para o Ministério dos Negócios da Justiça no Rio de Janeiro, de onde veio a resposta final, confirmando a pena de morte.
Em 1857 aconteceu a sua decapitação, por determinação do Sr. Presidente da Província, Dr. José Antônio Vaz de Carvalhaes.
Quem não gostou foi o pessoal da Câmara, que perdeu o seu carrasco mais famoso e ainda teve que arcar com as despesas da execução no valor de 20$000 (pelo jeito, já tinha inflação).

Luiz Romaguera Netto, membro da Associação dos Amigos do Arquivo Público do Paraná.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - Carnaval é fogo

Histórias do Paraná - Carnaval é fogo

Carnaval é fogo
Tarás Schner

Fazer a cobertura jornalística do carnaval no finalzinho da década de 50 e início da de 60 em Curitiba era fogo.
Na madrugada de terça-feira, depois de três noites insones e muita "cuba-libre", os repórteres se reuniam no "Ópera-Rio" para a cobertura do concurso dos "enxutos", a grande sensação da época.
Os políticos também compareciam, devidamente acompanhados das esposas ou secretárias — obviamente mascaradas. E a troca de informações era obrigatória.
Foi então que surgiu a dica de que o grande lance estava ocorrendo em Paranaguá, com a inauguração de um ginásio de esportes, grandes bailes de carnaval com artistas de renome especialmente convidados.
Era imperioso ir a Paranaguá e às 7 da manhã estavam todos na estação ferroviária da rua João Negrão, embarcando para descer a serra. A tarde foi tomada pelas reportagens a serem publicadas "sem data" sobre a administração do Porto, o navio pirata afundado há dois séculos e uma sobre a Ilha das Cobras, que deixara de ser o terrível presídio de menores e passara a ter uma escola de pesca.
Mas à noite, devidamente acompanhados do prefeito, percorreram todos os bailes da cidade e acabaram no novo ginásio de esportes.
Mas, lá pelas quatro horas da madrugada e depois de muito uísque "made in porto de Paranaguá", eles se descobriram abandonados numa praça central, sem terem onde dormir porque os hotéis estavam lotados. O Domingos Faria de Mello,
o popular "Cem Gramas", sabia dum hotelzinho barra-pesada perto do mercado. O Rafles Pereira de Oliveira e o fotógrafo Portos Casella acharam que o lugar era muito perigoso e decidiram esperar o dia clarear no banco da praça mesmo.
Depois de muita argumentação e algumas ameaças de "escrache" na primeira página, a dona do hotel concordou em ceder o último quarto nos fundos do hotel.
Deu só para tirar os sapatos e se jogar na cama de roupa e tudo.
Mas o sono cataléptico e instantâneo que se seguiu ainda foi quebrado por gritos de mulher e sirenes de carros de polícia.
Apesar do forte calor, um deles cobriu a cabeça com o cobertor e resmungou: "E nisso que dá dormir em hotel de gigolôs e prostitutas. É sempre essa mesma bagunça".
Eram quase 11 horas quando acordaram. O chão estava molhado, como se tivessem deixado uma torneira aberta.
Saíram do quarto dispostos a brigar porque não tinham sido acordados cedo e exigiriam pelo menos uma xícara de café. Ao descerem a escada, um velho sentado numa cadeira, os olhava intrigado.
- O que vocês estão fazendo aqui? Perguntou ele.
- Como o que estamos fazendo aqui? Dormimos aqui e queremos tomar o nosso café — disseram eles.
- Não pode - retrucou o velho, explicando que o hotel tinha pegado fogo e fora todo destruído pelo incêndio, que foi um dos maiores da cidade.
Só então é que os repórteres notaram que a parte da frente simplesmente havia desaparecido e curiosos se aglomeravam diante dos monturos de tijolos e carvão de madeira ainda fumegantes.
Andar pelas ruas de Paranaguá, depois, foi outro sufoco: todos queriam abraçar ou tocar nos repórteres de Curitiba que sobreviveram ao "inferno de fogo", para dar sorte...

Tarás Schner, jornalista

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - Um menino curitibano

Histórias do Paraná - Um menino curitibano

Um menino curitibano
David Carneiro

Era uma vez... bem, era uma vez um menino gorduchinho, mo-reninho, alegre, uma alegria contagiante, nascido em Curitiba.
Um de seus traços marcantes eram suas gargalhadas.
Eram descontraídas, inocentes, contagiantes.
Por isso o tornaram conhecido: era o menino das gargalhadas.
Como quem sai aos seus não degenera, dizia-se, entre parentes e amigos, muito numerosos, que esse traço herdara, ou "puxara", como se dizia, de seu pai.
Mas suas gargalhadas não eram iguais.
As deste eram volumosas, graves e adultas: tinham algo de insolente, que não havia nas gargalhadas do menino, seu filho.
Um dos embaraços em que se envolv e, por vezes geravam com quem estivessem conversando ou durante cena cômica de cinema, re-sultava de gargalharem juntos.
Combinavam-se as distinções dos dois tipos e isso podia gerar gargalhada só, tonitroante, contagiante, endêmica, coletiva, quase unânime.
Algumas vezes esse estado de alegria, de gozo coletivo, era provocado por piada contada pelo primo querido do menino, o Fausto, sobrinho da mãe.
Os descaminhos da vida acabaram por torná-los dois homens sérios, cumpridores das obrigações sociais que nos são exigidas.
Seu pai que, deve-se lembrar, também era curitibano, escreveu livros, foi intelectual conhecido, chamava-se David Carneiro (meu pai também). Ele era tão exageradamente curitibano, que escolheu justamente o dia da cidade, 29 de março, para nascer. O menino de que dou testemunho e agora identifico como meu irmão, não conseguiu acertar com mamãe data tão significativa para o Paraná quanto nosso pai conseguira com a sua.
Nasceu num dia 13 — a fatalidade! — do mês de julho.
Ao longo de sua vida manifestou preferências estéticas que pôde desenvolver e foi adquirindo, em suas viagens, muitos objetos de valor comercial variado, porém de significação artística.
Ao se saber irremediavelmente condenado, com frio destemor, há três anos distribuiu de próprio punho tudo que encontrara durante as viagens, fora comprando ou acumulara, a seus amigos mais chegados.
Mas de forma muito peculiar, muito sua, sobretudo muito humildemente curitibana - seu pai definira em livro a psicologia do paranaense e do curitibano como sendo assim — separou alguns grupos desses objetos para destinar a instituições públicas, principalmente museus.
Foram elas: Casa João Turim (busto de Dante esculpido pelo próprio artista), Centro Positivista do Paraná ao qual fora ligado desde a adolescência, aos Museus de Arte, de Arte Sacra, do Automóvel, Escola de Música e Belas Artes do Paraná e Museu Paranaense.
Associou a seu legado uma condição, melhor dito, uma solicitação: de que cada um dos museus aquinhoados organize uma exposição pública das peças.
Esse menino alegre, risonho, gargalhante, que conheci bem, foi meu companheiro de mais de meio século, faleceu na madrugada de domingo 27 de fevereiro de 1994. Chamava-se Fernando Augusto; conseguiu realizar em vida todos os seus projetos.
Aplico-lhe a definição de Confúcio de vida bem vivida: "ao nascer todos riam, só ele chorava; ao morrer todos choravam, só ele ria." Como curitibano que era, e ferrenho, viveu e morreu; seus restos jazem junto aos de seu pai, gargalhando ambos silenciosamente no Cemitério Municipal de Curitiba... Eu choro de saudades dos dois...

David Carneiro, professor universitário

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - Tudo e mais um pouco

Histórias do Paraná - Tudo e mais um pouco

Tudo e mais um pouco
Francisco Brito de Lacerda

Ninguém podia com a viúva do Guiomar.
Ela era o homem da casa. Perdera cedo o marido, desastrado no disparo de uma carroça.
Nem bem clareava o dia, tinha começo sua lida no sítio, de onde tirava o sustento da família, fazendo sobrar o dízimo destinado a Santo Antônio.
A viúva não queria saber de empregados.
Durante a roçada e colheita, empreitava a mão-de-obra.
Mantinha um rapazinho chamado Joel (órfão, analfabeto, miserável) que trabalhava a troco de casa, comida e roupa velha.
Glutão, capaz de comer viradinho até dizer chega, o fraco do Joel era mulher. Só de olhar a filha mocinha da viúva, meio vesgo ficava.
Cautelosa, Guiomar às vezes lhe adiantava uns cobres, a fim de que pudesse desaguaxar seus desejos na cidade.
Joel cuidava da vaca salina, tangendo-a do potreiro à estrebaria, ida e volta; dava-lhe sal, alfafa, sobras de massa crua.
Aprendendo a usar as mãos ao mesmo tempo, uma em cada teta, o rapazinho fazia esguichar leite no balde, em pouco tempo quase cheio.
Ao acordar, Guiomar estranhou a ausência de Joel na cozinha.
Fogo apagado, balde vazio.
Procurado no paiol, onde dormia, ele não foi achado.
Da vaquinha salina, nem sombra.
Já na cidade, Guiomar deu com a vaquinha amarrada a um fra-de-de-pedra, defronte a casa do negociante Dario.
"Sabe o senhor que esta vaca é minha?", reclamou. Morto de medo, Dario logo lhe devolveu a tetuda.
Depois de vender a vaca, o rapazinho comprou aquilo que mais queria: um sapato novo, ceroula, camisa, gravata, um corte de brim, botões.
Com o corte no balcão, esperando o troco, Joel deu com o cabo Xisto atravessando a rua. "Precisamos conversar" disse o cabo.
Atrapalhado, mostrando a palma da mão, Joel pediu ao cabo que aguardasse um pouco; fez que ia ver alguma coisa na esquina. E abriu o pé. O ferreiro teve pena dele. "Fugir é ruim, Joel, muito ruim. Só agrava." Recolhido à cadeia, ele logo recebeu a primeira visita.
Com um ar de riso nos grossos beiços, o cabo Xisto abriu a pesada porta de ferro da cela; sentou-se num banquinho, e deixou que Joel falasse.
"Fiz plano de roubar a vaquinha e vender na cidade.
Trabalhava pra não morrer de fome.
Queria dinheiro, um pouco que fosse.
"Bem novo, oito anos, aprendi a roubar com dona Eulália Góis, minha madrinha.
Ela mandava eu tirar galinha do quintal do velho Pedro, vizinho. O cachorro da casa me conhecia.
Quando quisessem descobrir, a galinha estava depena-da.
"Como foi o roubo de ontem? Já lhe conto.
Em lugar de levar a vaquinha pro potreiro, desviei o rumo dela; a bichinha entrou no mato.
Prendi ela num tronco de cambará. Quase noite, saindo dali, ouvi mugidos.
Me deu um dó!
Passei a noite acordado.
Ainda escuro, peguei a estrada, a vaquinha na frente, abrindo caminho. O negociante da esquina me pagou três notas verdes.
"Eu tinha feito promessa de seguir a procissão de sapato novo que nunca tive, de terno engomado, igual àqueles que os moços usam em dia de festa.
Quem sabe até uma namorada arranjar?"

Francisco Brito de Lacerda é advogado

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - O Cabo Roque

Histórias do Paraná - O Cabo Roque

O Cabo Roque
Rui Pinto

Meu avô Antônio Cavallin veio da Itália menino e foi instalado com seus pais na Colônia das Pedras, nas cercanias da Lapa.
Jovem ainda se fez comerciante, até próspero, de parceria com o irmão Giovanni Battista, embora dividisse seu tempo com a construção civil, atividade que acabou por preferir e a exercer pelo resto da vida, deixando obras que até hoje são destaques da cidade como o Sanatório São Sebastião, o Hospital Hipólito de Araújo, o Santuário de S. Benedito, a restauração da Igreja Matriz, para só citar algumas.
Era, porém, homem sem maiores letras, embora tivesse o hábito de ler os jornais (até italianos), e mostrasse grande estima pelo estudo, cujos bons resultados escolares cobrava sempre de filhos e netos.
Aparentemente era um sisudão, guardando certa distância de todos nós, por temperamento ou timidez.
Porém, apesar desse ar de circunspecção, possuía uma permanente veia gaiata, que vinha à flor em suas poucas horas de folga, quando se comprazia em afinar (do léxico lapeano) netos e gente mais simples de suas relações.
Assim é que, quando nos recebia de férias e sabia que tínhamos ido mal na escola (como quase sempre) preparava então seu cachorro Rufíno com um caderno e um lápis pendurados no pescoço, e dizia, muito sério: - Este é o professor Rufino, que vai dar aulas para vocês todos nessas férias. E, daí em diante, sempre que nos via, repetia a afinação:
- Então, vocês já foram hoje à aula do professor Rufino?...
Outra de suas manias era o tal do cabo Roque.
Era topar com qualquer garoto pela primeira vez e vinha a indefectível pergunta:
- Menino, você sabe quem foi o cabo Roque?
Claro que o menino não sabia, nem nós, e isso era bastante para ele deplorar o atraso do ensino e o desinteresse dos jovens pela História de nossa Pátria.
Mas, sua admiração pelo cabo Roque era realmente sincera, pois, quando meu avô fez a ampliação da sua casa na Rua Cel.
Dulcídio, da Lapa, fez esculpir em relevo, no alto da parede nova, a frase de homenagem: Escritório Cabo Roque.
Ora, o tal cabo Roque ganhou notoriedade na campanha de Canudos.
Era ordenança do Cel.
Moreira César, comandante da terceira expedição enviada contra o arraial de fanáticos de Antônio Conselheiro, na Bahia. A força acabou sofrendo severo revés e se pôs em fuga desordenada pelos caminhos do sertão, largando armas, mochilas e até o corpo morto do comandante.
Na versão popular, porém, o cabo Roque se recusou a abandonar o cadáver do chefe, ficando sozinho a seu lado e resistindo à sanha dos sertanejos enfurecidos, até cair morto, varado de balas.
Tomou-se, então, herói nacional.
Foi nosso Cambronne.
Ganhou discursos, nome de rua, poesia, e até subscrição pública para a ereção de um monumento em sua homenagem.
Pois essa versão que tocou a sensibilidade do meu avô italiano, cujo espírito de resistência já fora temperado no cerco da Lapa, quando, quase menino, foi incorporado aos "patriotas" do "coronel" Lacerda e participou da resistência ao assédio dos maragatos de Gumercindo Saraiva.
A lenda do cabo Roque logo se desfez, quando, vivinho da Silva e em plena saúde, arribou em Queimadas, muito distante de Canudos.
Talvez meu avô nem ficou sabendo disso, ou, se soube, nem assim esmoreceu sua admiração pelo seu herói.
Enfim, da memória do cabo Roque, o que realmente ficou foi a homenagem singela de meu avô pedreiro, que a Lapa ostenta até hoje, esculpida no cimento.

Rui Pinto, Procurador de Justiça

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - A bandeira que foi tapete

Histórias do Paraná - A bandeira que foi tapete

A bandeira que foi tapete
Josué Corrêa Fernandes

Ouvia de meu pai que o Major Fidêncio Leme do Prado, voluntário na Guerra do Paraguai, curitibano, que viveu a maior parte da sua vida no interior do município de Imbituva, fora quem arrebatara do gabinete presidencial de Solano Lopes, em Assunção, a bandeira brasileira que ali servia de tapete e que se constituía em troféu de guerra, tirada que havia sido do navio "Marquês de Olinda".
A família Leme do Prado, rebatizada para Lemos do Prado, é muito grande, espalhando-se por várias cidades, principalmente no sul do Paraná. Em Prudentópolis mesmo, há o vereador de segundo mandato, Gilberto Leme do Prado, sucessor direto de Fidêncio.
A história que desde criança me comovia, vim a confirmá-la muitos anos depois, no Museu Histórico Nacional e nos arquivos do "Jornal do Comércio", do Rio de Janeiro.
Com vinte e um anos de idade, Fidêncio apresentou-se espontaneamente na 4a Cia. do 27° Corpo de Voluntários da Pátria.
Seu batismo de fogo, desembarcando em S. Francisco do Uruguai e cruzando o Rio Paraná, foi nos combates de 22 e 24 de maio de 1866, onde saiu ferido, o que, no entanto, não impe-
diu que retornasse ao campo de batalha por três vezes no mês de julho do mesmo ano, participando do assalto de Sauce, das lutas de Lomas Valentinas, Peribebuy, Nieguassú e da rendição de Angustura.
Seu feito mais importante, porém, ocorreu quando o Exército Nacional, sob o comando do General Osório, entrou em Assunção, em 5/1/1869.
Diz Fidêncio, em entrevista ao "Jornal do Commercio" (ed. de 13/9/1922), que, uma vez aquarte-lados, ele, mais Clarindo José da Silva e Antônio Roberto, corneteiro-mor, dirigiram-se ao palácio de Lopes, nele adentrando sem encontrar resistência.
Enquanto seus companheiros permaneciam no andar térreo manipulando papéis de música, Fidêncio subiu ao último andar, ali encontrando o gabinete de Solano e uma bandeira brasileira estendida no assoalho, defronte à cadeira do governante paraguaio.
Imediatamente recolheu o pavilhão que se prestava de tapete, guardando-o na mochila e contando o fato aos que o acompanhavam.
Horas mais tarde, três prisioneiros esclareceram que não só aquela bandeira como também outra, ambas trazidas do vapor "Marquês de Olinda", estavam sendo utiÚza-das daquela mesma forma: uma, no Quartel General de Humaitá; e outra, no Palácio de Lopes.
Terminado o conflito, Fidêncio, elogiado por seu destemor nos cinco longos anos de campanha, promovido a Alferes, voltou ao Paraná, guardando, no entanto, a bandeira que considerava relíquia e que desejava usar como mortalha.
Nas comemorações do centenário da Independência, já com 78 anos de idade, Fidêncio resolveu embarcar para o Rio de Janeiro, levando o histórico pavilhão que por mais de meio século guardara, a fim de entregá-lo em mãos do Conde d’Eu, a quem chamava Marechal da Vitória.
Acondicionou o precioso símbolo numa caixa de madeira, onde fez inscrever em letras douradas: "A memória de D. Pedro II - O valor e a Constância".
O Conde d’Eu, no entanto faleceu antes da chegada de Fidêncio, e este, afirmando que o símbolo da pátria resgatado das mãos do inimigo devia ficar em local onde todos os brasileiros pudessem vê-lo e venerá-lo, encaminhou-o, através do "Jornal do Commercio", ao Museu Histórico Nacional, onde se encontra até hoje!

Josué Corrêa Fernandes, advogado, é secretário de Administração e Negócios Jurídicos de Ponta Grossa

domingo, 9 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - Corpo de Saúde, 1930

Histórias do Paraná - Corpo de Saúde, 1930

Corpo de Saúde, 1930
Manoel Dória Guimarães Filho

Vivemos a revolução Em Curitiba, jovens médicos e acadêmicos de medicina alistam-se como voluntários no Corpo de Saúde.
Esta é a forma encontrada para poder constribuir com aqueles soldados que, menos favorecidos pela sorte, tombam nos campos de lutas.
Incorporados, recebem instruções para se apresentar ao Hospital D. Isabel na cidade de Jaguariaíva.
Domício Costa, Osires Rego Barros, Manoel Dória Pinheiro Guimarães, José Saldanha Faria, Isaac Goldstein Paciornick e Iracy Ribeiro Vianna, deixam Curitiba no dia 14 de outubro.
O relógio marca 1 hora da tarde de uma terça-feira em plena primavera de 1930.
A composição férrea fazia sua primeira parada, Porto Amazonas, onde chega às 5:30 da tarde.
O médico Bernardo Vianna, ao saber do alistamento de seu filho Iracy, também se alista:
- Se meu filho vai para a guerra, eu também vou!
Às 9 e meia da noite chegam à Princesa dos Campos.
Praticamente vencido o primeiro dia, é preciso aguardar uma nova composição para baldeação e dar continuidade à viagem.
Por volta das 10 horas, chega a Ponta Grossa o novo comboio, que lotado transporta a 1a CIA. do 15° Batalhão de Caçadores, sob o comando do Ten.
João Gualberto, que com sua tropa faz pequena parada na estação e prossegue viagem às 10 e meia. A Ordem é permanecer em Ponta Grossa e aguardar o trem das 9 e meia da manhã. Pernoitam no Hotel Dáros, em frente à estação.
Na manhã seguinte, como não conseguem usar o telegrafo, passam no Correio para algumas notícias, t na Igreja para algumas orações. Às 9 e meia embarcam na nova composição, que também leva o Ten.
Laurentino, de Santa Catarina.
Travam conhecimentos com vários oficiais e soldados.
Meio dia chegam a Castro, e de caminhão são conduzidos para almoço no Hotel Rondinelli.
Reiniciada a viagem à 1 e meia da tarde, chegam a Piraí por volta das 4 horas, quando então encontram 200 homens de Rio Azul, fortemente armados, que seguem para o campo de batalha.
No desvio da linha, o comboio aguarda a passagem de outro que transporta feridos para serem atendidos em Ponta Grossa.
Os feridos estão sendo conduzidos pelo acadêmico Lineu Madureira Novaes, também voluntário.
Violentos combates são registrados em Sengés. A baixa é impressionante, perto de 140 homens.
Diariamente um avião bombardeia Jaguariaíva.
- Avião... avião... avião! - é o grito que anuncia a chegada de mais um ataque aéreo.
Todos procuram abrigos.
Bombas explodem em todos os lugares, e também muito próximas do Hospital.
Num único ataque, o avião consegue jogar 8 poderosas bombas, para o desespero da população. A fuzilaria é intensa. A correria também.
No poder de fogo de terra, até tiros de revolver procuram acertar o avião, que mais uma vez vai desaparecer na linha do horizonte.
O trem chega a Jaguariaíva quase às 10 da noite.
As 6 e meia da manhã de 18 de outubro de 1930 os bravos voluntários do Corpo de Saúde, Domício, Osires, Dória, Saldanha, Parciornick e Iracy, se apresentaram e iniciam seus trabalhos na Ambulância Mista de Jaguariaíva.

Manoel Doria Magalhães Filho, publicitário e artista plástico

sábado, 8 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - A Baronesa do Tibagi

Histórias do Paraná - A Baronesa do Tibagi

A Baronesa do Tibagi
Astrogildo de Freitas

A atual cidade de Palmeira, distante cerca de setenta quilômetros desta capital, é a evolução da Freguesia Nova de Nossa Senhora da Conceição de Palmeira, criada em 1819, em terras doadas pelo Tenente Manoel José de Araújo, casado com Anna Maria da Conceição e Sá, proprietário da Fazenda da Palmeira, cujo solar, edificado em meados do século dezoito, continua firme, habitável, e é atualmente conhecido como Chácara da Palmeira.
Dentre os seus filhos, queremos focalizar neste esboço Cherubina Rosa Marcondes de Sá, casada com José Caetano e Oliveira, na capela do Tamanduá, no dia 27 de novembro de 1814. Por ocasião do falecimento do seu pai, em 1825, e conseqüente partilha dos bens, coube a Cherubina o Rincão da Cria, onde já residia. Mãe de vasta prole, oito filhos, criados com todo o carinho, dentre os quais se destacoujesuíno Marcondes de Oliveira e Sá que, apresentando mais inclinações para os livros, já aos sete anos de idade passou a freqüentar escolas em Curitiba, visando novos horizontes.
Em conseqüência de um episódio funestro que vitimou uma das filhinhas do casal, talvez uma inflamação do apêndice, determinou-se
o corte de todos os pessegueiros do
Sitio, pois se atribuiu a causa da morte à ingestão de pêssegos verdes.
Quando da visita, em 1820, de Henri de Sant Hilaire à Quinta Comarca, este cientista francês esteve acantonado no Rincão da Cria, demorando-se ali por algum tempo.
Nessa ocasião, como hospedeira e dever social, manteve conversações com aquele itinerante sobre diversos assuntos.
Com a instrução acima do saber ler e escrever, pois quando mocinha freqüentara aulas de escolaridade nas cidades de Sorocaba e São Paulo e acostumada aos contatos sociais, teve assim condições de manter diálogos com tão ilustre visitante.
Nas prolongadas ausências do marido, em viagens de negócios de compras, vendas e transporte de gado vacum, cavalar ou muar, assumia também a direção do Sítio, promovendo todos os trabalhos normais, inclusive o feitio e roça no Pi-nheiral, onde existiam terras apropriadas para essa modalidade de lavouras.
Em 4 de agosto de 1858. o Alferes de Milícia José Caetano de Oliveira recebeu o titulo de Barão do Tibagi, em recompensa pelas suas atitudes conservadoras em face da revolta de Sorocaba e da emancipação política do Paraná. Esse provecto cidadão já possuía as Comendas da Rosa e de Cristo.
Assim, Baronesa, Cherubina não modificou as suas atividades, prosseguindo a vida normal de há muito estabelecida.
Quando da vinda do imperador D. Pedro II e a Imperatriz à província do Paraná, nas suas estadias em Palmeira, o casal foi hospedado pela Baronesa.
Em recompensa por este e outro atos, inclusive libertação de escravos, e já na viuvez, foi agradecida com o titulo de Viscondessa do Tibagi.
Para os palmeirenses, todavia, ela continuou recebendo o carinhoso tratamento de baronesa até sua morte, ocorrida em primeiro de outubro de mil oitocentos e oitenta e nove.

Astrogildo de Freitas, membro do Centro de Letras do Paraná e do IHGEP

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - Nascido num atoleiro

Histórias do Paraná - Nascido num atoleiro

Nascido num atoleiro
Tadeu de Souza Barião

O caixão do pai mal tinha baixado à cova e Darci Balestro já estava procurando quem quisesse comprar sua parte no sítio pequeno em Vila Nilza, lugarejo perdido no município de Iporã. "Quero fazer a vida em Rondônia", dizia.
Como ele, milhares de agricultores paranaenses agarraram o rumo de Mato Grosso e Rondônia na década de 70, na esperança de melhorar de vida.
Curioso foi a desculpa que Darci inventou para a aventura, quando desculpa nenhuma era preciso.
"Tão falando que o asfalto não demora a chegar na vila, e eu não gosto de asfalto", disse.
Ele gostava de contar que nasceu no corredor de um ônibus, durante um encalhe gigantesco.
Foi num atoleiro de Cianorte Cruzeiro do Oeste, "a estrada mais perebenta do Brasil", no dizer do escritor Domingos Pellegrini. A mãe, que voltava de ônibus de Maringá, grávida de oito meses e meio, recusou a carona de jipe achando que o atoleiro secava logo ou que uma patrola ia conseguir abrir desvio. Õ encalhe durou quatro dias.
No segundo, bem cedo, depois de uma noite mal dormida, a mulher entrou em trabalho de parto.
Foi acudida uma freira vicentina que também viajava no ônibus. E ali mesmo, no corredor forrado com duas mantas, nasceu Darci Balestro.
Na rodoviária, já embarcado no "União Cascavel", Darci Balestro se despediu dos irmãos com sua frase predileta: "Quem nasceu num atoleiro, carece de mato prá viver". E lá foi ele.
Sonhando, quem sabe, com uma estrada barrenta e um enorme atoleiro.
Chuva, lama empoçada, um caminhão enfiando as rodas no barro e atolando de atravessado no meio da estrada, afundando mais e mais a cada tentativa de sair.
Mais provável sonhasse com a nova vida em Rondônia.
Pelo preço de um alqueire no oeste do Paraná dava para comprar cinco, oito, dez alqueires lá para cima.
Ainda indeciso se entrava na fila dos assentamentos do Incra ou comprava direto uma terrinha.
No estomago, o azedo da insegurança — plantar o quê por aquelas bandas? Cacau? Nunca nem vira pé.
O ônibus sacolejou dias.
Até Cuiabá ainda foi suportável.
Mas depois, pela barrenta BR-364, quase um rastro no meio da mata, foi demais até mesma para quem nasceu num atoleiro.
Em Vilhena, portal de entrada de Rondônia, mentiu que não tinha dinheiro algum — medo de roubo — e os funcionários do Incra tentaram desacorçoá-lo de seguir viagem.
Foi em frente.
Até Cacoal, mais ou menos no meio do Estado. A terra ali era roxa, o sotaque do povo, familiar.
Tudo paranaense ou gaúcho.
Darci Balestro achou que era um bom lugar pra ficar e ficou.
Daí para a frente, é a historia de um pioneiro bem sucedido.
A compra do primeiro lote de terra, a abertura do primeiro roçado, a primeira malária, outro lote de terra, outra malária, um olho na filha do gaúcho, Vicente Basso, a terceira malária, a primeira colheita de cacau...
Para resumir as coisas, nesses quase vinte anos Darci Balestro pegou suas malárias, casou com Irma Basso,
fez quatro filhos, tem cinco grandes fazendas — cacau, café, gado
- , três lojas de material de construção em Cacoal, uma concessionária Ford, um casarão plantado no meio de uma quadra toda, quase no centro da cidade, piscina de 200 metros, e duplex com três suítes em Porto Velho.
Dia desses, Darci pegou a F1000, cabine dupla, e desafiou o filho mais velho:
- Junior, topa um partidinha de bocha lá em Vila Nilza?
Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná... Diferente essa viagem de volta.
As estradas todas asfaltadas.
Menos na chegada de Vila Nilza, que continua um lugarejo perdido no município de Iporã.
Um dos últimos lugarejos deste Paraná que ainda não conhece o asfalto.
Mas quem diz que o Darci Balestro se arrepende de ter saído de lá?

Tadeu de Souza Barião, professor secundário em Cascavel

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - Tapera dos pessegueiros

Histórias do Paraná - Tapera dos pessegueiros

Tapera dos pessegueiros
Reginaldo de França

Dia 13 de abril de 1949. Serraria São João, Município de Jaguanaíva.
Inicio da noite.
Mamãe, deitada em seu quarto, não passava bem.
Rubens nascera pela manhã. Parto difícil, complicado, assistido pela parteira do local que, com suas limitações, fizera o possível.
A porta do quarto se abriu.
Passos.
Mamãe virou-se.
No lusco-fusco viu aproximar-se de seu leito um homem.
Baixo, de chapéu de abas largas, falou:
- "Viu! Na Tapera dos Pessegueiros tem um dinheiro enterrado.
Pode ficar c’o dinheiro. Só leve meu corpo pro campo santo".
O desconhecido virou-se e saiu pela mesma porta que entrara.
Surpresa, susto, depois o pânico.
Mamãe gritou pela vovó Isabel, sua sogra e companheira dedicada, sempre presente cada vez que um novo neto vinha ao mundo.
Disse-lhe que havia um homem dentro de casa.
Vovó, apavorada, de lamparina na mão, rezando em voz alta o Credo, o Pai Nosso, a Ave Maria e todas as orações que conhecia, vasculhou todos os cômodos.
Nada. A recaída.
Papai, chamado às pressas na serraria.
Providenciado um veículo, mamãe foi levada ao hospital em Itararé.
Refeita, dias depois, retornou.
Pediu a uma dos meninos, o mano Domicel, que a levasse até a Tapera dos Pessegueiros. A Tapera, casinha de barro e sapé, abandonada, era cheia de pessegueiros que se projetavam inclusive do interior das ruínas.
Viu e silenciou.
Tempos após, papai foi transferido para Itararé. Mamãe então resolveu contar-lhe o episodio vivido.
Papai e Tio Dito programaram "uma pescaria" para ir em busca do dinheiro.
Temporada de chuvas, acesso impossível.
Era necessário aguardar um dos caminhões que viesse da serraria depois que firmasse o tempo.
Com o primeiro caminhão, a notícia. O foguista da serraria, homem humilde, prole numerosa, encontrou enterrado sob a taipa da Tapera um pote de barro cheio de moedas de ouro e prata.
Estava rico.
Depois adquiriria fazendas e outros negócios.
Acabara o sonho.
Porém a confirmação. Não era um delírio puerperal.
No campo santo, alcançara o descanso eterno o baixinho de chapéu de abas largas.

Reginaldo de França, advogado e agente fiscal da Receita Estadual

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - A absolvição sumária

Histórias do Paraná - A absolvição sumária

A absolvição sumária
Marino Braga

Desta historinha de hoje eu não participei.
Vou procurar contar o mais fielmente possível, bem do jeito que me foi narrada por velho amigo que reencontrei nestes últimos dias. O caso aconteceu com uma das mais expressivas personalidades da vida pública paranaense, o folclórico Interventor Manoel Ribas.
Um amigo do meu amigo que me contou a história cometeu um crime de algumas gravidades, levado pelas circunstâncias do momento.
Era pessoa de certa posição, funcionário público, que tinha boas relações com gente influente e por isso achou que não lhe aconteceria nada, que tiraria de letra como se diz hoje em dia.
Entretanto, as coisas não correram assim.
Terminado o inquérito, veio a denúncia em juízo e o respectivo processo criminal.
Defendeu-se o réu com um bom advogado e continuou confiante em sua boa estrela.
Mas à medida em que o processo ia avançando, avançando também iam as preocupações do denunciado, que passou a temer a possibilidade de receber uma sentença condenatória.
Naquele tempo quem fosse condenado teria de se recolher à prisão para poder apelar.
Assustado, o candidato a futuro morador do presídio do Ahú, moveu céus e terras para escapar da constrangedora situação e passou a procurar os seus amigos influentes para que intercedessem a seu favor junto ao juiz, aos desembargadores do Tribunal.
Deu com os burros n’água.
Nenhum deles achou que podia ajudá-lo. Já estava ficando meio desesperado quando alguém o aconselhou a ir falar com o Interventor Manoel Ribas, o então já famoso Manéco Facão, que tudo podia.
Lá foi ele, carregando em baixo do braço o processo.
Recebido em audiência passou a contar a sua história e a pedir a ajuda do Interventor, que o ouvia meio amuado, como quem não estava gostando da conversa. Lá pelas tantas "seu" Ribas pediu-lhe o processo, que começou a folhear, olhando, às vezes, de soslaio, para o aflito interlocutor.
Era um daqueles dias gelados do impiedoso inverno de Curitiba e num dos cantos do gabinete crepitava uma aquecedora lareira.
A certa altura o Interventor Manoel Ribas levantou-se de sua cadeira, começou a andar pela sala e sempre folheando processo aproximou-se da lareira e jogou o calhamaço no fogo.
Olhou por alguns instantes o processo ser consumido pelas chamas, voltou-se para o assustado ex-réu e com ar mais sério deste mundo lhe disse:
- Você já está absolvido.
Pode ir embora.
A inesperada e sumária absolvição acabou produzindo os seus efeitos, tanto assim que o amigo do meu amigo que me contou a história veio a morrer bem mais tarde, antes ainda que terminasse a demorada restauração do incendiado processo.
Quem não conheceu Manoel Ribas, pode pensar que tudo isso não passa de mera brincadeira.
Mas quem viveu em seu tempo, quem se habilitou à sua marcante figura e às suas ousadas, imprevisíveis e excêntricas atitudes sabe muito bem que ele era capaz de fazer coisas como essa.

Marino Braga, desembargador aposentado

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - A autoridade da freira

Histórias do Paraná - A autoridade da freira

A autoridade da freira
Lauro Grein Filho

Muito se fala e critica acerca do ensino médico no Brasil, aquém dos padrões que se considerariam, até certo ponto, dignos e razoáveis.
Os reparos vêm desde a proliferação exagerada das Escolas, envolvendo currículos e cargas horárias, até a carência de professores, incapazes de responder à explosão incontrolável do alunado.
Em que pese, entretanto, tudo o que há de falho e errado, tudo o que existe para corrigir e melhorar, o fato é que muito evoluímos nestes últimos anos, proporcionando aos acadêmicos de hoje muito mais do que tínhamos no meu tempo de bancos universitários.
O hospital da Cruz Vermelha, que dirijo, presta uma ponderável contribuição pedagógica, através de residências, estágios, programações, atividades do Centro de Estudos, toda uma estrutura de dedicações, empenhos e esforços em favor da melhor formação profissional dos doutores de amanhã.
Antigamente não acontecia assim.
Até o terceiro ano, o ensino era totalmente teórico, não saindo das salas e dos anfiteatros da Praça Santos Andrade.
Ao quarto, passava-se para a Santa Casa, único campo para as aulas práticas e contato com os enfermos.
Muitas dessas aulas, no entanto, em pouco ou nada distinguiam-se das demais, o doente aparecendo como mera figura decorativa sem qualquer participação no desenrolar das explanações.
Nas salas de operação, após a troca do paletó pelo avental, soltos ou empoleirados num estrado, não alcançávamos mais que as mãos enluvadas do cirurgião no manejo ágil dos bisturis, pinças, etc.
A alternativa era ligar-se a um professor e, na conquista de suas graças, ser admitido no serviço que chefiava.
Por tais modos, é que na altura do sexto ano, na condição de Interno de Clínica Médica, me vi titular de uma ala da Enfermaria Santo Antônio, meia dúzia de leitos masculinos, sob minha responsabilidade, competência e direção.
No primeiro dia, revisei cuidadosamente todos eles, receitando para um, pedindo exames para três, e dando alta para dois.
Na manhã seguinte, animado de zelos e deszelos, fui ter cedo aos meus pacientes a conferir as prescrições determinadas, esperando novos enfermos em decorrência das vagas que provocara.
Verifiquei que os exames não haviam sido encaminhados, nem os medicamentos ministrados, enquanto os doentes com alta lá permaneciam firmes e intocáveis.
Um tanto intrigado, aguardei esperançosamente mais um dia, a observar se minhas ordens afinal seriam cumpridas.
Como não fossem, movido das melhores intenções e tendo em vista o evidente descaso que se prolongava, decidi ir até a irmã Diretora afim das necessárias providências.
A religiosa recebeu-me com extrema agressividade, dizendo categoricamente que não era médico e portanto incapaz, impedido e proibido de receitar e pedir exames.
Acrescentou que tampouco podia escrever nas papeletas e muito menos "mandar embora" doentes que lhe ajudavam a dobrar gazes e enrolar ataduras, além de fazer a limpeza na Enfermaria.
Que me retirasse, que não amolasse e que desaparecesse.
Ao finalizar, quando já me retirava, vencido e abatido, ainda ouvi me chamar de ousado, atrevido e irresponsável.
Nunca mais pisei na Enfermaria Santo Antônio, sequer nas imediações.
Mas deparava amiúde com os pacientes aos quais havia dado alta, serenos e tranqüilos pelos pátios, na faina monótona das gazes e ataduras, agrado imprescindível à irmã, garantia do teto, da vida, do pão.

Lauro Grein Filho, médico e membro do Centro de Letras do Paraná

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - O furão, a faixa e a Fonte Nova

Histórias do Paraná - O furão, a faixa e a Fonte Nova

O furão, a faixa e a Fonte Nova
Ernani Buchmann

Tarde quente de sábado na Vila Guaíra.
No velho estádio Ores-tes Thá iriam jogar Água Verde e Jandaia.
Partida com assistência de Maracanã em final de Copa do Mundo: faltavam alguns minutos para começar o jogo e não mais que umas quinze pessoas estavam a postos para ver tão emocionante peleja.
Mais triste que explosão em mercado da Bósnia.
Pois foi então que o comentarista Wilson Brustolin pegou o microfone para fazer suas observações iniciais.
Tinha recém começado a falar quando viu um sujeito pulando a cerca de madeira que separava o estádio da Praça em frente,
onde por muitos anos foi o campo do Guaíra.
Interessante era que o espectador furão trazia um radinho no ouvido.
Brustolin interrompeu o que ia dizendo e lamentou:
- Existem tão poucas pessoas no estádio e agora vejo um espectador pulando a cerca.
E já que ele está com o radinho no ouvido, quero fazer um apelo.
Se você torcedor, estiver ouvindo a Rádio Clube, por favor, dê a volta e compre um ingresso, porque assim não é possível.
O torcedor parou no alto da cerca.
Por alguns segundos avaliou o apelo. Aí fez um gesto com a mão em direção às cabines de rádio e pulou de volta para a praça.
Ivo Bordinhão era diretor financeiro do Colorado. Pão duro como poucos, vivia reclamando do salário dos jogadores.
Um dia, depois de um clássico que o Colorado havia ganho, sentaram todos, diretores e atletas, para uma cerveja no bar da Oca, no estádio Durival de Brito.
Bordinhão estava nervoso com a perspectiva de pagar um bicho graúdo pela vitória. E desandou a falar que, para ele, jogador de futebol não podia ganhar bicho.
Se havia o salário, por que teria que haver bicho?
Foi quando o ponta direita Galeno, que tinha predileção por incomodar Bordinhão, pegou a deixa:
- Com esse tipo de pensamento, sabe quando o senhor vai envergar uma faixa, seu Ivo? Só quando quebrar o braço.
Decisão entre Vitória e Paraná Clube no Campeonato Brasileiro de 93, em Salvador.
Fonte Nova lotada, os diretores do Paraná foram recebidos na Tribuna de Honra pelo presidente do Vitória.
Jogo difícil, no intervalo alguns vão ao banheiro. O vice-presidente jurídico Márcio Nóbrega Pereira, preocupado com o jogo, desembainha as armas para um xixi e nota que o presidente do Vitória faz a mesma coisa ao seu lado:
- O negócio tá duro, presidente.
- Muito duro, meu filho.
Vocês estão sabendo endurecer a coisa.
Atrás, aguardando sua vez, o vice-presidente Sidney Catenaci emendou:
- Só pode ser culpa de algum tempero afrodisíaco baiano.
Nunca vi ninguém discutir futebol usando uma linguagem dessas.

Ernani Buchmann, publicitário

domingo, 2 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - Lolô Maravilha

Histórias do Paraná - Lolô Maravilha

Lolô Maravilha
Airton C. Pissetti

A historia é feita de personagens que com seu estilo pessoal traçam os rumos dos acontecimentos. A história do Paraná não estará relatada por inteiro sem a presença de Airton Cornelsen, arquiteto.
Lolô para os íntimos.
Desde moço revelou uma personalidade irrequieta, voltada para o pioneirismo e a ruptura.
Foi estudante rebelde, porém brilhante.
Jogou no Atlético, seu time do coração, na lateral direta.
Certo Atletiba, para explodir ainda mais as emoções, engessou um braço e de tipóia foi o herói do jogo.
Casou com um anjo, Cleusa Cornelsen, seu equilíbrio com as realidades e sua motivação para viver intensamente.
Com apenas 30 anos foi diretor geral do DER, no tempo em que este órgão tinha statos de secretaria, e delineou todas as estradas do Paraná, inclusive a Rodovia do Café, nossa principal.
Junto com Moysés Lupion, introduziu a raça zebuína no Paraná, pegando briga com os mineiros que queriam o domínio da raça no Brasil.
Era política Café com Leite, e foi necessário tratar os zebus importados da índia em alto mar, com ração transportada por helicóptero.
Planejou a colonização do oeste e sudoeste do Paraná. Foi pessoalmente buscar imigrantes no Rio Grande do Sul.
Perguntem a ele quanto alqueires tem? Os sonhadores se bastam em navegar em suas próprias fantasias.
Ligado ao futebol, projetou inúmeros estádios, o nosso Pinheirão, o Mineirão, em vários paises da América do Sul, inclusive África.
Em Portugal fez o Autódro-mo de Estoril e iniciou, com uma visão futurista, vários projetos turísticos no litoral português.
Hoje são locais de veraneio, de importância internacional como na província de Meira.
Retornou com os bolsos vazios. A revolução socializou os bancos e manteve seu dinheiro lá, ganho com inteligência e suor.
Foi a Moscou falar sobre arquitetura brasileira e deslumbrou os soviéticos que não pensavam em um país tão avançado nesta área.
Voltou ao Brasil e a cada dia, mesmo já com mais de setenta anos, amanhece com uma idéia nova, com um projeto revolucionário.
Hoje anda pelos corredores públicos, tentando convencer ouvidos moucos das autoridades sobre a importância
da Hidrovia do Ivaí, projetada por ele e com a possibilidade de redimir nossa agricultora, transferindo para o bolso do produtor milhões de dólares que são gastos nas rodovias e enriquecem as multinacionais com interesse no atual sistema de transporte.
Parece um menino de quinze anos, gesticulando sobre as pranchetas de seus sonhos e gritando cada vez mais para auditórios surdos.
São estes visionários anônimos que traçam a história o Paraná e que merecem, ainda em vida, o registro de nossas memórias.

Airton C. Pissetti, sociólogo e publicitário

sábado, 1 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - A sumaca

Histórias do Paraná - A sumaca

A sumaca
Luiz Romaguera Neto

Rita Maria do Nascimento, a "Rita da Cancela", foi uma mulher feliz.
Viveu 96 anos bem vividos, de 1760 a 1856, e teve em toda a sua existência a amizade de muitos amigos e o carinho dos filhos, netos, bisnetos e trinetos.
A respeito dos trinetos, diz Ermelino de Leão, em seu Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná: "Dona Rita, sempre muito alegre, fazia graça dizendo a uma das suas netas: - Minha neta, trazei-me o vosso neto para eu lhe abençoar".
Da sua união como o Sr. Veríssimo Carneiro dos Santos, nasceram 13 filhos, os quais, de uma forma ou de outra, foram figuras importantes na V Comarca da Província de São Paulo (hoje, Estado do Paraná).
O fato que eu vim narrar, passou-se com seu marido.
Tinha ele verdadeira aversão por viagens marítimas, desde que, certa ocasião, ao fazer uma entre Paranaguá e Santos, enfrentara forte temporal, quase vindo a naufragar. O susto foi grande, fazendo com que nunca mais se esquecesse da SUMACA em que viajou.
"SUMACA", antigo navio a vela, muito usado nas costas do Brasil, com dois mastros inteiriços: o da vante que cruza duas vergas, e o de
ré, que enverga vela latina.
Tinha dona Rita, ido passear na fazenda do Cambiju, que fica a poucas léguas da Cancela e dois dias depois ainda não havia regressado.
O Sr. Veríssimo, preocupado com a sua demora e ainda mais pela forte tormenta que ameaçava desabar para aqueles lados, saiu para encontrá-la.
Quando já ia a meio caminho, assustou-se mais ainda, pois a macega alta e madura, com o vento forte balançando o capim, formava ondas, dando a impressão de estar em pleno mar revolto.
Para se ter uma idéia de como ele achava que estava no mar, explicamos que, da sede da fazenda Cancela, tanto em direção a Cambiju, 20 km, como para trás, até Tamanduá, 30 km, ou ainda, do outro lado, para Purunã, outros 26 km, como os capões de mato que se encontravam quase todos nas baixadas, faziam aqueles vastos campos ermos parecerem, ao vento forte soprando as macegas, um verdadeiro mar revolto. (Hoje, essa vasta planície está povoada dos mais diversos tipos de arvores, todas alienígenas).
Com esse pensamento, viu, ao longe, vindo em sua direção, uma Sumaca. O susto foi enorme! Porém, em seguida, apercebeu-se de que não era nada mais nada menos do que a comitiva da Dona Rita, com suas longas capas esvoaçando ao vento, dando, com isso, a impressão das velas do navio.
Daquele dia em diante, passara a brincar com ele pelo acontecido e nomeado, aquele local, onde passa um lajeado, com o nome de SUMACA.
As lembranças desse tempo, não posso tê-las, pois nem era nascido ainda, mas, sempre que por lá passo, fico a imaginar aquela comitiva a galopar, com seus cavalos apeados e suas capas ao vento, naquele mundão de campos.
Mas, mais que isso, imagino o susto do Sr. Veríssimo!

Luiz Romaguera Netto, membro do Instituto Histórico Geográfico e Etnográfico do Paraná